quarta-feira, 23 de setembro de 2009

AS PARÁBOLAS DE JESUS II - Uma Nova profecia




Jesus nunca explicou directamente a sua experiência do Reino de Deus. Não usou a linguagem complicada dos escribas para dialogar com os camponeses da Galileia, nem sabia falar com o costume solene dos sacerdotes de Jerusalém. Ele aproveitou antes um estilo muito comum, usado pelos doutores da lei e rabis do seu tempo: os meshalîm - ensinamentos, sentenças ou histórias exemplares que serviam para ilustrar a aplicação dum dado mandamento da Lei. Porém, enquanto os sábios de Israel aplicavam esse género de linguagem para explicar a Lei, Jesus usava-o duma forma mais simples para falar do Reino de Deus.



O primeiro interesse do Mestre de Nazaré eram as pessoas e não a religião. Os seus gestos e atitudes apontavam para um Deus que se preocupava mais com as suas vidas e inquietações, do que propriamente com todas as questões religiosas ou prescrições da Lei. As parábolas de Jesus ilustravam isso mesmo, demonstrando quais eram as prioridades de Deus e do seu Reino que vinha para corresponder às aspirações mais profundas e urgentes de um povo oprimido.


As suas palavras não tinham nada de artificial, eram claras, evidentes e simples. Ao que parece, ele nunca sentia necessidade de as explicar, nem antes, nem depois do seu relato; não recapitulava o conteúdo nem esclarecia com outra linguagem. A própria parábola tinha que penetrar com toda a sua força e sem confusões, pois
«quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça» (Mc 4, 9).


Jesus simplesmente partia da realidade que as pessoas viviam e do ambiente que as circundava para dar a conhecer uma Novidade absoluta e feliz. Assim, com liberdade poética evocava toda a vida quotidiana da Galileia: os seus trabalhos e festas, o seu céu e estações, os seus rebanhos, vinhas, campos dourados repletos de espigas, figueiras que despontavam na primavera, ou o lago de Genesaré com a faina da pesca…


Ele já não falava no deserto como João Baptista, mas aproximava o Reino de Deus a cada aldeia, cada família, cada pessoa. E assim, com relatos cativantes ia removendo obstáculos e eliminando resistências para que todos pudessem abrir-se à maravilhosa e Nova experiência de Deus.

Nas suas palavras pressentia-se que algo de inédito estava a acontecer: alguma coisa já se passava secretamente no interior da massa da farinha que se cozia nas casas; na mais pequena e insignificante das sementes; ou nos campos, que aparentemente sem grande fertilidade, não tardariam a produzir uma quantidade inesperada de fruto como ninguém vira.


Deste modo, a sua linguagem sugeria que a força salvadora de Deus estava já a despontar, e ainda que actuando no interior da vida de modo oculto e misterioso, já surgia de forma decidida e poderosa, pronta a manifestar-se com um esplendor incomparável.


Um dos traços mais vincados nas suas parábolas era o anúncio persistente de um Reino que não se apoiava em nenhuma instituição ou tradição humana, mas em Deus mesmo. Aqueles relatos giravam sempre em torno da experiência original dos grandes profetas e mediadores da Aliança, que
precediam todos os legalismos ou cultos vazios que mais tarde prevaleceram em Israel. Por isso, as parábolas iam ao encontro da verdadeira essência da Lei, que não assentava em normas castrantes, mas no próprio Amor de Deus.


As parábolas de Jesus também deixavam bem claro que no Reino de Deus as coisas aconteciam sempre do jeito que não era suposto acontecerem!! Nelas tudo tornava-se intensamente desconcertante: Deus mesmo agia de um modo excêntrico, chocante, e totalmente surpreendente, …fazendo até “o que não era conveniente” à Sua Santidade!
Era uma nova realidade onde só Ele mesmo mandava de verdade, porque a todos - sem excepção - puxava o tapete debaixo do chão…


Naquelas histórias Yahvé “perdera literalmente o juízo”: abandonando as rédeas da boa conduta divina misturava-se sem pudor nenhum com os indesejados de Israel; abraçava os impuros, acolhia os delinquentes e perdoava os não-arrependidos; apontava os inimigos como exemplo a seguir; era implacável com os que não faziam mal a uma mosca; e ainda por cima ou repreendia os justos, ou então simplesmente esquecia-se deles…


Diante deste anúncio muitos exclamavam: «O que é isto? Um novo ensinamento com autoridade» (Mc 1,27);


As parábolas mais desconcertantes, mas também certamente das mais belas, eram reservadas aos “peritos de Deus”. Elas surgiam como resposta de Jesus ao confronto com os doutores da lei e fariseus. Aquele Nazareno da plebe chocava-os com este Rosto de Deus tão Livre e Libertador, fazendo-os perceber que afinal ainda nada entendiam da Misericórdia e da Compaixão de Yahvé.


Afinal de contas, o Amor do Pai jogava-se com outras regras, e noutro terreno que ultrapassava todos os limites conhecidos. E quem o escutava já ia percebendo que a próxima parábola revelaria uma surpresa ainda mais atordoante e inesperada, como um fortíssimo abanão!


Ainda hoje, é este o melhor modo do Reino de Deus nos encontrar: desprevenidos, despidos de qualquer pretensão e conhecimento prévio, verdadeiramente abertos a uma Notícia com o peso e a medida maiores do que nós mesmos, prontos para uma Boa Nova densa de mudança…


E hoje as parábolas só são Boas Notícias de Deus quando continuam a dizer-nos que ainda não O conhecemos de todo! É isso que as torna universais e intemporais. Não porque nelas haja a “moral da história” de todos os tempos, …mas porque continuam a dizer-nos que em Deus ainda há Novidade, Beleza escondida, e – porque não dizê-lo? – também choque, e escândalo!
É que ainda não é suposto Ele ser e agir somente desta ou daquela maneira…


O Seu Reino ainda é território desconhecido, continua a expandir-se ao longo da história, a acontecer e a transformar-nos a partir de dentro, sempre onde e do jeito que ainda não esperávamos nem sequer sonhávamos descobrir…



segunda-feira, 14 de setembro de 2009

AS PARÁBOLAS DE JESUS I - A poesia de um Reino



No Coração de Jesus pairava incessantemente um sonho muito antigo.


Um sonho que emergiu no seio de um povo ao longo de inúmeras gerações de Reis, sacerdotes, profetas, e uma multidão de tantos outros homens e mulheres. Um sonho tão longínquo que remontava até…ao Princípio. Aquele mesmo que falava de um Jardim onde Deus e o homem se enamoravam e em torno do qual gravitava toda a Criação. Um sonho universal, um Projecto, onde Deus mesmo era o Começo e o Fim, o Alfa e o Ómega duma História de Salvação.


Desde há muito que alguns, na esperança do Fim de tanta miséria e injustiça, nomeavam-lhe o “Dia do Juízo” ou “Dia da Ira”; outros porém, na expectativa de um outro Começo, chamavam ao Sonho de “Nova Aliança”…mas todos partilhavam duma esperança comum: Deus é Fiel, e haverá de consumar o Seu Projecto, o Seu sonho…

Jesus, aparte destas designações, chamou-lhe simplesmente Reino de Deus

Não era uma expressão estranha às gentes da Galileia e Judeia. Aquele povo oprimido pelo sufoco de séculos de dominação invasora, e agora dos romanos, aguardava da parte de Deus uma Libertação definitiva e prosperidade para Israel. Todos os sábados e dias de festa recitavam na sinagoga a oração do Kaddish:


«Que o Seu Nome seja louvado e santificado no mundo que Ele criou segundo a sua vontade. Que o Seu Reino irrompa na vossa vida e vossos dias, nos dias de toda a casa de Israel, pronto e sem demora…Que uma paz abundante chegada do Céu assim como a vida venham sem demora sobre nós e sobre todo o Israel…Que aquele que fez a Paz nas alturas a estenda sobre nós e sobre todo o Israel»


Um pouco por toda a parte, e há já algum tempo, a nação ia exibindo sinais de tensão impacientando-se pela inauguração desse Sonho de Deus e do seu Reino Messiânico: Uns formavam grupos de guerrilheiros armados provocando focos de resistência violenta; outros refugiavam-se no deserto em comunidades de monges, preparando-se para serem poupados da Vinda implacável e Terrível que se avizinhava; e outros ainda, ou separavam-se do resto do povo no cumprimento fundamentalista da Lei, ou embriagavam-se com o incenso do Templo na expectativa de se tornarem dignos de aderir aos eleitos do Último dia…


Mas Jesus situava-se noutro horizonte muito mais amplo, porque era exactamente à medida do Coração de Deus! Para ele era muito claro que já estava em emergência um Reino feito de Compaixão, Misericórdia, Perdão incondicional, Justiça e Alegria que inaugurariam um novo tempo, uma nova realidade, com outra lógica e outro modo de ser gente.

Eis as primeiras palavras que Marcos coloca na boca de Jesus:


«Completou-se o tempo. O Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e acreditai na Boa Notícia» (Mc 1,15)


A expressão não significa a chegada de um Reino “próximo no futuro”, quase iminente; mas denuncia um ACONTECIMENTO ACTUAL: O Reino chegou AGORA! JÁ!! O tempo da espera e da impaciência esgotou-se! É a hora de despertar daquele Sonho antigo…de abrir o olhar e o coração de Israel para o deslumbramento, e conduzi-lo ao Senhorio inesperado de Deus.


Chegara a hora e a urgência de acordar para permanecer atento à realidade nova que JÁ irrompe no mais íntimo da vida…porque Deus mesmo está a finalizar o seu Sonho, no presente. De alguma forma todos precisavam de ser abalados e despertar da modorra ou desespero em que viviam: tinham de dar o passo, entrar, e tornarem-se cidadãos deste Reino!


Jesus conhecia muito bem o modo de dizer as Boas Notícias ao jeito do seu povo, tão diferente do modo como as dizemos hoje. Nós, ocidentais, falamos das coisas através de conceitos, definições e ideias abstractas. Caímos facilmente na tendência cultural de anunciar o jeito de Deus de um modo dogmático, fechado, conceptual, e filosófico. Por isso, hoje focamo-nos mais no “discurso sobre Deus”, do que no fascínio por Ele…


Ao contrário, o Povo de Israel contava histórias, criava poesia, compunha cânticos, fazia comparações fantásticas e inventava fábulas lindíssimas para permanecer na experiência da Aliança, e abrir o coração à novidade de Deus. Esta fora sempre a única linguagem adequada ao Anúncio da Sua Presença VIVA, Fiel e Salvadora!


E Jesus, como todo o judeu do seu tempo, estava treinado nesta arte de sentir, comunicar e entender o jeito de Deus. Nele estava bem consciente, por exemplo, a forma arrebatada como Oseias narrava o Amor entre Yahvé e Israel, tão ao jeito de um romance ou duma ternura maternal:


«Por isso eis que vou, eu mesmo seduzi-la,
Conduzi-la ao deserto e falar-lhe ao coração.
Dali lhe restituirei as suas vinhas, e o vale de Acor será uma porta de esperança.
Ali ela responderá como nos dias da sua juventude
(…) Eu te desposarei a mim para sempre,
Eu te desposarei na Justiça e no direito,
No Amor e na ternura»
(Os 2,16-21)

«Quando Israel era ainda menino, eu o amei,
e do Egipto chamei o meu filho.
(…) Com laços de amor os atraía, com laços de carinho.
Fui para eles como quem levanta uma criancinha até ao rosto;
Eu me inclinava e lhes dava de comer»
(Os 11,1-4)


E quem não teria presente a comparação belíssima de Ezequiel sobre a Aliança?


«Passei junto de ti e vi-te. Era o teu tempo, tempo de amores,
e estendi a aba da minha capa sobre ti e ocultei a tua nudez;
comprometi-me contigo por juramento e fiz aliança contigo e tu te tornaste minha(…)
Tu te enfeitaste de ouro e prata; os teus vestidos eram de linho, seda e bordados (…)
A tua fama se espalhou entre as nações, por causa da tua beleza que era perfeita,
devido ao esplendor com que te cobrias,…»
(Ez 16,8-14)


Assim, do mesmo modo, Jesus herdara também a destreza do seu povo para criar parábolas, como por exemplo, a de Samuel (2Sam 18, 1-8) dirigida a David, a parábola cantada de Isaías sobre a Vinha (Is 5,1-7), ou as de Ezequiel (Ez 15 e Ez 17)… que dizer ainda sobre as visões de esperança de Jeremias (Jer 32-33), Joel (Jl 3), ou Zacarias (Zc 8-9,12-13)?...


Tantas e tantas eram as imagens vívidas e as experiências simples que reflectiam fielmente a grandeza e o alcance da História da Salvação…


Pois foi assim mesmo, desta forma tão simples, e com este encanto que o Poeta da Compaixão começou a anunciar e contagiar a sua experiência do Reino de Deus…




CONTINUA...

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Dizer Deus dizendo o homem [3]



« Em quase todas as concepções religiosas de Deus, a divindade é um Deus que inspira temor, espanto. A maior parte dos deuses, incluindo a ideia de divindade, são violentos, a não ser que sejam simples figuras estéticas ou simbólicas, como na Grécia. O homem tem medo dos deuses e a religião possui todo um sistema de sacrifícios, fórmulas de conjuração e rezas de expiação; uma montagem que sirva para conseguir, senão o favor dos deuses, ao menos que o temor e a vingança se afastem deles. A relação entre Deus e o homem é, portanto, aqui uma relação de violência e temor.


(…) O medo gera medo, a violência gera violência.
Um Deus de violência e de temor, que provoca o medo, coloca o homem no medo e na violência, não somente em relação a ele, a Deus, mas em relação a si próprio, o homem, e em relação ao próximo.


Dando a volta à frase de Lucrécio:
o medo criou os deuses” poderíamos reformulá-la deste modo: “Os deuses criaram homens temerosos”.


Os deuses, e uma determinada imagem de Deus, instalaram o medo e a violência no homem convertendo-o num ser aterrorizado. Toda a religião contém nas suas entranhas – e o cristianismo ainda não se livrou de todo este trauma - o risco da violência e da sua escalada.


(…) É “normal” que os deuses sejam violentos, omnipotentes, arbitrários, provocadores do medo e do espanto, recorrendo a formas ingénuas (terramotos, tormentas, etc.), ou ainda sob formas subtis de culpabilização da consciência e de terror.


Sem dúvida, uma vez mais, temos de nos perguntar senão é o Deus da loucura, o revolucionar tudo o que parece normal, e que vem mudar as coisas e assegurar (coisa incrível) que a relação entre Deus e o homem não é de temor e de violência, e que o homem não foi criado para o medo, (…)


“Vós não haveis recebido um Espírito que faça de vós escravos, novamente no temor, senão que haveis recebido um Espírito que faz de vós filhos adoptivos” (Rom 8, 15). (…) “Não temas, porque estou contigo” (Gen 26,24).


O texto fundador é este: “ Já não vos chamo servos mas amigos”. [A partir daqui] A relação entre Deus e o homem ficou completamente subvertida, mas
quem sabe não nos tenhamos adaptado verdadeiramente a esta novidade inquietante e não saibamos ainda medir todas as consequências.


(…) Jesus veio anular o antigo vínculo religioso entre o sagrado e a violência. Um Deus de Encarnação não é já um Deus de incandescência. Como diz extraordinariamente Rilke: “Os que com frequência nos ameaçam são deuses desocupados”. Pelo contrário, o Deus ocupado do homem,
o Deus que se encarna, vem acabar com toda a violência do deus entrincheirado em si mesmo, que fundamenta o seu poder numa sacralidade e num anonimato de ameaça.


A ideia de encarnação é, (…), a ideia da dissolução do sagrado como violência. Porque, adiante, o sagrado se entende como o sagrado da kenosis [entrega total de si], do despojo, da doação. Isto é, do Deus amigo dos homens (liturgia oriental); que vem a nós à margem da barbárie e da violência de uma glória divina custodiada por ele zelosamente (Flp 2, 6); que estabeleceu o seu posto, a sua tenda e sua casa no meio de nós (Jo 1,14); anunciando-nos que, do mesmo modo que o seu Cristo, nós podemos tratá-lo como um Pai.


Seria desejável que, depois, do “livra-nos do mal”, se acrescentasse no final do Pai Nosso um “livra-nos do medo”. O mesmo que ocorre com a fatalidade, o cristianismo adverte-nos que não devemos viver nem nos deixarmos conduzir pelo temor.


Dessa relação com Deus, completamente nova e de todo surpreendente, nasce um homem novo e liberto, de que ainda não foi assumida, nem nos atrevemos ainda a assumir em toda a medida. Porque esta é efectivamente…incompreensível! E é – devemos repeti-lo – na revolução cristã donde nos fazemos compreensíveis a nós mesmos (definitivamente, não violentos) graças à incompreensibilidade de um Deus que é amor. Porque esse reino da não-violência, do não-medo, é o reino do amor. “No amor não há lugar para o temor” (1 Jo 4, 18).


Quando S. João define Deus como amor (veja-se 1 Jo 4,8.16), do que se trata é – e nós não nos damos conta disso – de uma verdadeira transgressão a todas as ideias comuns sobre Deus. Deus, com efeito, deixa de ser um Deus ameaçador.


Então, o homem já não é um ser ameaçado. “Livre do temor” ( Lc 1,74), livre “de nossos inimigos” (ibid.), é dizer, desses demónios obscuros que tem dentro e o aterrorizam, o homem pode finalmente “servir a Deus” (ibid.), sem sentir-se já ameaçado e sem converter-se já numa ameaça para si mesmo.


“Deus não sabe desapreciar nem desdenhar. Pelo contrário, Ele desdenha a ameaça” (Sto Agostinho, Sermão 23,6).


(…) A amizade divina de que falavam os Padres da Igreja: a que existe no seio de Deus (a Trindade) e que deve existir em nossos corações e entre nós (Reino de Deus), nesta terra onde desaparecem os cavalos do Apocalipse. Para que o homem seja livre e já não se sinta ameaçado, deve saber que seu Deus não é um Deus ameaçador, senão um Deus pacífico.

Não é este o Deus que vem armar a sua tenda entre os homens, um Deus que não tem medo em afirmar, que estando entre nós, está nele mesmo? (Jo 1,11)?»



Adolphe Gesché, "Jesucristu", p.51-55

Estava a escrever isto e a recordar-me de quantas vezes Jesus diz aos discípulos, e a todos com quem se encontrava: “não temas”, “não tenhas medo”. Talvez seja mesmo a sua expressão mais frequente. Estou cada vez mais convencido, – e quantas vezes o sinto na pele – que o medo é o pior inimigo do evangelho! O nosso inimigo comum (de Deus e do Homem), o único e definitivo demónio a derrotar… acredito mesmo que o contrário da Fé não é a “descrença” ou o “ateísmo”, mas o medo.

Recordo-me também de algo muito bonito que o Professor António Couto nos transmitiu certa vez. Ele dizia que a palavra “sagrado” ou “Santidade” advêm da mesma raiz que significa “distância, separação”. Dizia que é das palavras mais adulteradas que existe; enquanto nos precipitamos a traduzi-la como “separação” entre Deus e os homens, na experiência de Israel, e sobretudo para os autores da corrente profética, significava precisamente o contrário. Recordo dele dizer mais ou menos assim:

«Afirmar a santidade de Deus é dizer que Ele está absolutamente separado de si próprio, descentrado de si mesmo, para Ser totalmente para o Homem, para dele se dedicar com toda a ternura e cuidado, para nele habitar e fazer morada. Por isso, somente o Deus verdadeiramente Santo é verdadeiramente um Deus Connosco!».

Dada a riqueza do texto, tinha de acrescentar este apêndice delicioso…

SHALOM

sábado, 27 de junho de 2009

Dizer Deus dizendo o homem [2]






« A antiguidade viveu sob o sinal da fatalidade (Factum, moira [destino], …). Ao fim, tomadas as coisas ao pé da letra, não há nada a fazer. O próprio Zeus [o maior e mais poderoso dos deuses gregos] viu-se submetido a uma espécie de Lei que se impõe e contra a qual ele nada podia.



Certamente, a Grécia possuía a noção de liberdade e inclusive, foi a que iniciou o longo e difícil caminho da liberdade (…). Mas depressa esta liberdade é derrubada e vencida. Sem dúvida isto ocorreu assim com os gregos pois, para eles, quase tudo se joga entre o azar e a necessidade. Deste modo a liberdade se vê aprisionada por duas forças maiores. Não há salvação.


Parece claro que foi precisamente pela ideia da salvação e, de modo particular e paradoxalmente, pela ideia de pecado, que o cristianismo criou esta brecha de liberdade e da libertação da fatalidade da história.


E o que significa o pecado? Que o mal, ao menos por uma parte - uma vez que somos também vítimas de adversidades que não implicam a nossa responsabilidade - depende do homem. E isso significa que ele é responsável. Além disso, posto que se trata definitivamente de um acidente histórico e não de um produto da natureza, o homem, em princípio, pode não cometê-lo ou não voltar a cometê-lo, em nenhum caso se trata duma fatalidade.


Portanto, o mal não é algo monumental, fora de série, impossível de deter. O homem não está submetido como se fosse escravo do destino.
O pecado é um mal responsável, atribuível ao domínio pessoal, que poderia não ter sido cometido.


Isto é dizer que o pecado, em certo sentido, não é mais que um pecado e o homem não se define irremediavelmente pelo mal. O cristianismo leva-nos a dizer ao rapaz que roubou: efectivamente, tu roubaste; mas tu não és um ladrão. (…). Sim, tu drogaste-te; mas não és um drogado. O criminoso não tem que ser reduzido ao crime cometido.


Sabemos que Caim, no Génesis, recebe um sinal na sua fronte; mas esse sinal não lhe é posto para desqualificá-lo para sempre; pelo contrário, Deus o imprime para recordá-lo que ele permanece protegido e amado por Deus (…).


Interpretamos a resignação perante o destino como uma sabedoria tolerável. É precisamente a ideia de salvação que chega em contracorrente desta “sábia resignação” ou deste desastroso submetimento ao destino.
Que significa, com efeito, a ideia de salvação senão precisamente que nada é irremediável; que tudo pode ser sempre repetido, reiniciado, voltar a partir do zero; que nada se perde definitivamente, que tudo pode ser salvo?


(…) Ao falar, ao pensar e ao actuar deste modo, o cristianismo desfatalizou positivamente a história do homem. Inclusivé no que diz respeito não só ao pecado, mas também à adversidade (injustiças de nascimento, etc.). Na antiguidade esse mal que cai sobre o homem é atribuído de modo irremediável ao destino, a forças das quais ninguém se podia libertar.


A ideia de salvação implica que as coisas não são necessariamente como aparentam, nem são destinadas a permanecer tal como estão.


“O que o nascimento fez de vocês pode ser apagado”. Com outras palavras, o mal pode ser abatido e derrotado. Pode ser abatido e derrotado nos sentidos da palavra “poder”: tem-se o direito, e não é um sacrilégio, nem um atentado contra os deuses, mas antes um confronto com o mal; e se tem a capacidade: há uma força em nós capaz de confrontar-se com o mal e destruí-lo. Não há nenhuma culpabilidade em querer abater e derrotar o mal, muito pelo contrário;
encontramo-nos incluídos e associados à vontade e ao poder de Deus.


(…) Seguramente Deus não suprimiu o mal, mas antes desfez a sua tirania: o mal não deve exercer sobre nós nenhum fascínio, nenhuma coacção, nenhum medo, nada que nos possa impedir de atacá-lo porque o consideramos um poder intolerável.
»






Adolphe Gesché, "Jesucristu", p.49-51

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Dizer Deus dizendo o homem [1]


Bem-vindos! Já há uns tempos que não aparecia por cá. Os exames também me têm ocupado um pouco. Mas hoje gostava de partilhar alguns fragmentos de um livro que me tem cativado. O autor é Adolphe Gesché, um teólogo belga que escreveu várias sínteses e reflexões sobre temas fundamentais da fé. Assim vale a pena fazer teologia, aqui deixo o primeiro de alguns posts...






« Para falar do homem, a Escritura possui uma problemática muito especial. Consiste em falar não de maneira directa, senão observando-o na sua relação com Deus. Porque a Escritura na sua totalidade, não é um discurso sobre Deus, nem um discurso sobre o homem, mas um discurso sobre a relação entre ambos (criação, aliança, encarnação). Assim é como ela fala do homem. A sua única preocupação é contar esta relação entre Deus e o homem e, desde aí, extrair seu ponto de vista sobre o homem(…).


Tanto Deus como o homem são qualificados não a partir do que são em si mesmos, senão a partir do que são um para o outro. Tu não saberás quem eu sou, diz Deus (“Eu sou aquele que sou”: Ex 3,14); tu saberás somente quem sou para ti (“Eu estou contigo”: Ex 3,12). A partir daí saberás quem eu sou e quem tu és (…).


Encontramo-nos exactamente aqui perante o conteúdo essencial da fé cristã, a encarnação, que representa a realização paradigmática da relação entre Deus e o homem. Em Jesus o crente descobre, lê e decifra precisamente a mais estreita relação que existe, a relação por excelência entre Deus e o homem. Aí decifra também o seu ser (…).


Com efeito, é este Deus louco e incompreensível de Jesus (cf. 1Cor 1,18-31 e 2,1-16), fonte de uma sabedoria completamente nova, que desconcerta os sábios e ilumina os pequenos (cf. Mt 11,25), ele é que nos vai revelar, deste modo, a verdadeira compreensão do homem. Cristo introduz a incompreensibilidade de Deus como chave para a compreensão do homem. Efectivamente Deus é amor, o qual, quer dizer loucura. Um atributo indecifrável, incompreensível, dado que é “irracional” (o amor não é razoável). Mas será esta dimensão do indecifrável do Amor que nos permitirá decifrar o homem.


Foi, sem dúvida, a partir deste Deus louco e incompreensível de Jesus Cristo como o cristianismo foi capaz de descobrir e proclamar a grandeza dos pobres e abandonados. A este propósito o Evangelho descobriu o pobre, e descobriu-o como homem. (…) A Grécia e o humanismo não falaram, nem foram capazes de falar, do pobre, do homem caído, do excluído, do homem que, por ser economicamente inútil, fisicamente destroçado, afectivamente insignificante ou socialmente marginalizado, devia ser deitado fora da sociedade; antes exigiam sabedoria e bom sentido revestidos de humanismo e clarividência a quem queria reger a cidade com ordem e eficácia.


As bem-aventuranças, o Magnificat, o vaso de água dado ao mais pequeno, o respeito absoluto pela criança, o assombro de Jesus perante o mistério de compaixão em que se convertem o paralítico, o leproso, e tantos outros gestos e atitudes demonstram totalmente o oposto desta distinta sabedoria (…).


Ao contrário da Grécia, que entende o homem em termos metafísicos, em termos de essência (donde, com tanta facilidade, os homens podem ser interpretados como de essência diferente), o cristianismo, ao ajuizar o homem em termos de história e de destino, e considerando esse destino como prometido e concedido a todos os homens, pôde modificar a sua maneira de olhar o pobre. Foi necessária a loucura de um Incompreensível, que considera compreensível o pobre. “Cada rosto é um Sinai que proíbe o assassinato”(…).


Em vez de nos descobrirmos a nós mesmos contemplando-nos ao espelho, descobrimo-nos no rosto do outro, da mesma forma que nos deciframos no rosto de Deus.


O cristianismo não pode separar a sorte de Deus e a do homem. Isso é o que a encarnação fixou na história. Chateaubriand, em os Mártires (1809), narra o episódio de um pagão e de um cristão que encontram um pobre. O cristão dá o seu manto ao pobre e então o pagão diz ao cristão: “pensavas certamente que se tratava de um deus?” – De modo algum, responde-lhe o cristão; eu sabia que era um homem”.


Foi seguramente a partir deste Deus louco e incompreensível como o Evangelho libertou o homem de sucumbir perante a fatalidade, essa fatalidade que marcou tantas vezes o rosto dessa divindade impassível e implacável, insensível ao homem. Todos os historiadores do pensamento e da cultura o dizem e reconhecem, os marxistas à cabeça (escola de Frankfurt, Adorno, Horkheimer): o cristianismo desfatalizou a história. Este seria, segundo eles, o seu único êxito absoluto.»


CONTINUA...


Adolphe Gesché, "Jesucristo", p. 45-48

domingo, 31 de maio de 2009

PENTECOSTES!



Veio a Nazaré, onde tinha sido criado. Segundo o seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para ler. Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o, deparou com a passagem em que está escrito:

«O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque me ungiu para anunciar a Boa-Nova aos pobres;
enviou-me a proclamar a libertação aos cativos
e, aos cegos, a recuperação da vista;
a mandar em liberdade os oprimidos,
a proclamar um ano favorável da parte do Senhor.»

Depois, enrolou o livro, entregou-o ao responsável e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Começou, então, a dizer-lhes: «Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura, que acabais de ouvir.» (Lc 4, 16-21)




Sim Jesus


Após a experiência pascal, os discípulos começam a contemplar a tua história desta maneira: o teu jeito de ser e estar com eles, os sinais que realizavas, a autoridade dos teus gestos e palavras, a esperança e a alegria que geravas nas pessoas, o perdão e a fraternidade que aconteciam à tua volta;
tudo isso aconteceu porque o Espírito de Deus te habitava.


O Espírito prometido e esperado há tantos séculos pela boca dos profetas, o Espírito que seria derramado sobre o Messias de Deus, e sobre todo o Israel para a Salvação dos Povos …finalmente chegou HOJE até nós!


Sim, Mestre…


Foi assim como os teus discípulos saborearam a memória da tua vida messiânica, aquela que realizou a profecia de Isaías: um ano de Jubileu cumprido até às últimas consequências…


Aquele Jubileu solene prescrito na Lei, celebrado em cada 50 anos, que começaria ao som da trombeta; onde estava escrito que fossem perdoadas todas as dívidas, os grandes proprietários abdicariam das suas terras em favor dos pobres, e Israel seria – pelo menos por um ano! - um povo de homens e mulheres livres.



Mas os teus discípulos experimentavam na tua Vida ressuscitada o que nem Isaías ousara sonhar:


Na tua Páscoa, Mestre, o Jubileu já não contava somente como um ano excepcional, mas como um TEMPO permanente. Um tempo Novo, especial, eterno, e marcado pelos frutos do Espírito. Esse “kairós”, de que falava Paulo, o TEMPO do Espírito, ou a plenitude dos TEMPOS…


E maravilhados, os teus discípulos, chamaram a esse tempo “HOJE
”!!!


Sim, Mestre, a tua Vida inaugurou os tempos do Espírito. Esse Espírito derramado nos nossos corações, a construir o nosso presente, a nossa história, o nosso TEMPO: HOJE


A tua e a nossa Ruah, continua a cumprir esta passagem da Escritura; continua em Ti, em nós e connosco o que Deus sonhara desde o Princípio, o que já começara na tua vida: o HOJE duma Nova Criação!



O nosso HOJE!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

QUEM É ESTE HOMEM?



Hoje partilho um vídeo que preparei para o meu grupo de catequese do 10º ano. Uma espécie de resumo de tudo o que reflectimos ao longo deste ano sobre a pessoa de Jesus. Juntos andamos à procura deste Homem, quem Ele significa para nós e de que jeito Ele continua connosco...



quinta-feira, 26 de março de 2009

"OS TEUS PECADOS ESTÃO PERDOADOS" [2]


Israel há muito tempo que aguardava com grande expectativa a chegada de um Reino Messiânico. O Dia da Consolação haveria de manifestar-se como a vinda definitiva de Deus. E não viria como tantas outras intervenções na história de Israel, porque dessa vez Ele vinha para ficar! Nesses dias cessariam as guerras e todos os inimigos do Seu Povo reconheceriam a vitória de Yahvé. Assim, uma vez entronizado no monte Sião em Jerusalém, Ele haveria de inaugurar um Banquete magnífico. Seria o convite dos últimos tempos dirigido a todas as raças, línguas e nações:


«O Senhor dos exércitos oferece a todos os povos, neste monte, um banquete de manjares suculentos, um banquete de vinhos depurados, comidas gordurosas, vinhos generosos. Neste monte arrancará o véu que cobre todos os povos, a cortina que encobre todas as nações: e aniquilará a morte para sempre. O Senhor enxugará as lágrimas de todos os rostos e afastará da terra inteira o opóbrio do seu povo.» (Is 25, 6-8).


Esta belíssima profecia de Isaías anuncia o sonho de uma refeição universal oferecida não só a Israel, mas também ao resto do mundo. É uma profecia que nos fala de uma Boda de Salvação e inauguração de um tempo de Paz e Perdão para todos os povos. Os estrangeiros, outrora cegos, reconheceriam agora o único e verdadeiro Deus. A morte seria destruída, dando lugar a uma vida abundante, alegre e sem dor oferecida a todos os convidados.

O sinal do triunfo de Deus não seria somente a restauração do reinado de Israel, mas antes a reconciliação e a cura de toda a humanidade oferecida num Banquete.

Só mesmo Isaías podia sonhar assim, em grande…era sem dúvida o sonho mais caprichoso e ousado que alguma vez um profeta tinha concebido. De tantos outros sonhos e visões, talvez este estivesse mais próximo do desejo que ardia no coração do Abba…





A vida de Jesus pautou-se sempre por gestos proféticos. E os mais significativos foram certamente a expressão do grande Isaías. Por isso, ao convidar e sendo convidado à mesa de muita gente, Jesus não se limitava a criar ou fortalecer laços de intimidade…


A comunhão de mesa que partilhava com os marginais e pecadores foi sem dúvida o SINAL mais evidente da proclamação do Perdão!

Este acto de convivialidade não era inocente nem neutro. Revestia-se de uma intencionalidade que culminava na realização do Banquete de Isaías. Contudo, se para os rejeitados de Israel estas refeições eram um acontecimento libertador, para outros constituía um escândalo:


«Encontrando-se Jesus à mesa em sua casa, numerosos cobradores de impostos e outros pecadores vieram e sentaram-se com Ele e seus discípulos.Os Fariseus, vendo isto, diziam aos discípulos: «Porque é que o vosso Mestre come com os cobradores de impostos e os pecadores?» Jesus ouvi-os e respondeu-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes.Ide aprender o que significa: Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.» (Mt 9,10-13)




O choque e a indignação dos fariseus não se justificavam somente pela quebra das normas de pureza ritual. Era algo mais…
No mundo antigo oriental, partilhar a refeição na casa de alguém significava uma das honras maiores e das melhores expressões de amizade que se podiam manifestar! Especialmente entre Judeus, a mesa tinha um carácter sacral. Uma refeição partilhada com convidados implicava a formação de uma comunidade diante de Deus. Mas Jesus atrevia-se a constituir uma “comunidade sagrada” com… pecadores.
A ruptura desta tradição ancestral e patriarcal constituía uma blasfémia grave e subversiva dirigida directamente ao “Deus da Lei”.

Porém, Jesus tem de romper com estas “tradições” exclusivistas e puramente humanas de separação social para dar cumprimento à grande Tradição profética de um Deus Salvador. Um Deus inclusivo que Salva acolhendo e reunindo em primeiro lugar todos os seus “filhos famintos” para uma mesa farta e abundante.


Como sempre, os líderes religiosos, insistindo na autoridade das suas tradições, rejeitam este horizonte profético, e de coração endurecido, acabam por atribuir ao Mestre de Nazaré o título infame de «comilão e beberrão» (Lc 7, 31-35).


Jesus porém está a abrir um convite irresistível a todos, começando precisamente pelos «não-convidados» do seu tempo. Assim torna-se no comensal e anfitrião por excelência de muitas ceias.
Senta-se com eles, à vontade e à mesma mesa saciando-lhes a fome de acolhimento e aceitação. Com alegria e proximidade, fala-lhes de um Pai de Misericórdia e Bondade e toma a iniciativa de abençoar os alimentos, partilhando com eles a convivência favorável, o Perdão, e a amizade incondicional de Deus. Quase que podemos captar neste gesto memorável as palavras do Mestre: “o que faço aqui, em convívio de mesa, a partilhar a minha alegria e a partir-vos o Pão, é o que Deus mesmo está a fazer convosco! Ele está a abençoar-vos, a servir-vos e a tratar-vos como os seus convidados de honra.




Neste gesto de Jesus, em comunhão de mesa com pecadores, também estava implícito um sinal Real. Se, por exemplo, um Rei convidasse um prisioneiro importante a comer à sua mesa significava conceder-lhe uma amnistia. Exprimia um acto público de reabilitação de um cativo!
O segundo livro dos Reis conta-nos como o rei da babilónia concedeu amnistia a Joaquin de Judá (2 Re 25,27-30). Concedeu-lhe privilégios, e até um lugar de destaque relativamente a outros cativos na Babilónia. Mudou-lhe a roupa de prisioneiro, pagou-lhe uma pensão diária e o fez comer à sua mesa. Enquanto viveu, ninguém podia tocá-lo ou maltratá-lo pois estava sob protec
ção real, apadrinhado como amigo pessoal do Rei.
Jesus ao comer com os pecadores anuncia publicamente e com autoridade que já chegou o Rei de Israel! Um Rei com o poder soberano de libertar os cativos dos fardos pesados da Lei, os anawîm. Chegou o tempo da Salvação e da Graça! Deus já preparou um Banquete e convida os pecadores à sua Mesa para lhes conceder uma amnistia incondicional diante de todo o Israel. Oferece-lhes protecção, e está a reabilitá-los, partilhando com eles a sua realeza e intimidade: deixaram de ser escravos, para agora se tornarem Filhos! Deus é um Senhor e um Pai que teima, que “manda” e ordena fazer Festa com poder e autoridade Reais:


«Trazei a melhor túnica e vesti-o; colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei um vitelo gordo e matai-o. Celebremos um banquete. Porque este meu filho estava morto e voltou à vida. Tinha-se perdido e foi encontrado» (Lc 15,22-24);


«O dono da casa, irritado, disse ao servo: Sai depressa até às praças e ruas da cidade, e traz pobres, mutilados, cegos e coxos. O servo lhe disse: Senhor, foi feito o que ordenaste, e ainda sobra lugar. O Senhor disse ao servo: então sai pelos caminhos e veredas e obriga-os a entrar, até que se encha a casa» (Lc 14, 21-23)


«Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de hospedar-me em tua casa» (Lc 19, 5)


É belíssimo como este gesto de Jesus começa a criar fama, atraindo e aproximando os abandonados de Israel a convívios de mesa onde antes jamais seriam aceites. Lucas conta-nos que este “à vontade” de Jesus com
os pecadores públicos era tão célebre que, sendo convidado à mesa do Fariseu Simão, é visitado por uma mulher de “má fama” que não hesita em lá entrar mesmo sabendo que estava expressamente proibida disso. Ela não tem medo de ser apedrejada, nem sente-se perturbada por invadir a casa de um Fariseu porque estava lá Jesus!!
E isso lhe bastava…

«Por isso, eu te digo, seus numerosos pecados lhe são perdoados, porque ela muito amou
E disse a ela:
- Teus pecados estão perdoados.
Os convidados começaram a dizer entre si:
- Quem é este que até perdoa pecados?
Ele disse à mulher:
- Tua Fé te salvou. Vai em paz.»
(Lc 7, 47-50)

Abster-se desta corrente de Perdão e acolhimento é rejeitar o convite comensal de Jesus. Isso é fatal, porque significa entrar no caminho do malogro. Os fariseus e doutores da Lei ao negar entrar na convivialidade gratuita do Senhor da Mesa, recusam a Salvação que julgavam garantida pelos seus méritos. Jesus adverte-os que aqueles que se colocam fora da lógica da Graça e do Amor são adversários do evangelho e morrerão no seu pecado. Não é Deus que os castiga, mas antes a consequência da sua recusa:

«Atai-lhe pés e mãos e lançai-o fora nas trevas. Aí haverá pranto e ranger de dentes. Pois são muitos os convidados e poucos os escolhidos». (Mt 22,14)

É uma linguagem dura, é certo, mas deve ser interpretada como um clamor à urgência e à oportunidade deste convite que deve ser irrecusável. É bom demais para ser rejeitado!! Tem que se entrar nele! O tempo favorável está à porta e quem está atento e vigilante sentar-se-á no Banquete:

«Felizes os servos que o dono, ao chegar, encontrar vigilantes: eu vos asseguro que se cingirá, os fará sentar-se à mesa e os servirá» (Lc 12,37).

A partir de agora está aberto o Banquete Nupcial do fim dos tempos que anuncia uma Nova Aliança, o Casamento definitivo de um Deus-Noivo que desposa bons e maus, pagãos e judeus, pecadores e justos…
A mesa universal da reconciliação está aberta para TODOS.
É a oportunidade imperdível da Festa, em que já não pode haver lugar para sacrifícios, penitências, jejuns ou recusas.
Chegou a hora das Bodas de Canãa e da Alegria do Vinho Novo.
O melhor ficou reservado para o fim!
A plenitude dos tempos foi inaugurada porque um Filho nos foi dado:
«Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo se salve por meio dele» (Jo 3,17)
Não para condenar,
Mas para SALVAR…
Para SALVAR



“SALVAR”…uma palavra tão densa de significado, expressando mil e uma coisas…
…e todas elas acções de Deus:

ACOLHER, ABRAÇAR, ADOPTAR, SENTAR-SE À MESA, PARTILHAR O PÃO, SARAR, TRAZER ALEGRIA, LIBERTAR, REABILITAR, CUIDAR, FAZER FESTA, ELEGER, CONFIAR, DAR VIDA, ENTRAR EM CASA,
e muito…
muito mais …

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

"OS TEUS PECADOS ESTÃO PERDOADOS" [1]


Neste período de quaresma, tempo de preparação para a Páscoa, não me ocorreu melhor ideia que tentar escrever um "hino" ao Perdão manifestado em Jesus, e à novidade libertadora do Reino de Deus. Algo que a mim continua a dizer-me imenso (muito mesmo!), e que hoje faço por partilhar neste espaço...



A proclamação do Perdão sempre fez parte do anúncio fundamental de Jesus. Constituía o primeiro grande sinal da presença do Reino de Deus e do tempo novo da Salvação.


Ele estava decidido a acabar com o maior de todos os pecados de Israel: a separação das pessoas em castas. Na base deste movimento de marginalidade social estava a concepção pervertida da Santidade de Yahvé. Em nome de Deus praticavam-se as maiores injustiças e aberrações humanas:

- Imposição de taxas sagradas a que os camponeses se viam forçados a oferecer para sustentar a rica classe sacerdotal. Muitas vezes a “obrigação sagrada” de pagar o dízimo ao Templo podia ameaçar os poucos recursos das famílias mais pobres.

- A exclusão automática dos enfermos graves (aleijados, leprosos, hemorrágicos…) de todo o contacto humano. Era uma ordem dos sacerdotes cuja desobediência podia incorrer na pena de morte. As doenças e enfermidades eram encaradas como estados de impureza que denunciavam a maldição de Deus e podiam contagiar os demais.

- O desprezo fomentado pelos fariseus em relação às gentes ignorantes das camadas sociais mais remotas. Constituíam famílias e comunidades de pessoas sem formação religiosa da Lei, e por isso também marginalizados como pecadores.

- A desumanidade diante das profissões impuras que instituíam os pecadores públicos: publicanos e prostitutas. Homens e mulheres pressionados para situações limite mais por força das circunstâncias, do que propriamente por escolha própria.




Aos olhos de Jesus, estes abandonados de Israel nunca são “pecadores” - somente usava essa designação para refutar as acusações dos fariseus e doutores da Lei. Segundo Jesus, estes marginais do seu tempo, são carinhosamente apelidados de «pequenos», os desprotegidos e oprimidos pelo impiedoso sistema social e religioso de Jerusalém.


Para os sacerdotes, fariseus, e doutores da Lei, o pecado era uma transgressão que exigia uma pena ou sacrifício. Confundiam o pecado com o pecador, onde por vezes a destruição do primeiro exigia a morte do segundo. Para Jesus não: o pecado é sempre uma doença que necessitava de cura. Por isso mata-se antes o pecado restaurando a saúde do pecador!


Não é que os líderes religiosos não acreditassem no Perdão. Porém, estes “homens santos” proclamavam o perdão dum “Deus de Santidade” separado do mundo e dos homens profanos. Segundo eles, o pecador purificava-se por um processo de penitência, jejuns, contrição e adesão à Lei e ao Culto, com a cessação prévia de quaisquer actividades impuras (cobrança de imposto romano, prostituição,…). Era um Perdão negociado que exigia sempre a iniciativa e aproximação do pecador, implorando a resposta clemente do “Deus Santo”.


Jesus desmonta totalmente esta concepção com uma Boa Notícia: O Perdão nunca é a resposta de Deus, mas antes a sua iniciativa! O Perdão é o Dom do Amor de Deus que destrói o pecado pela Sua proximidade com o pecador – nunca pela Sua separação – e antes de todo o arrependimento. Jesus proclamava com Autoridade: «os teus pecados estão perdoados!» Proclamava-o antes de qualquer disposição ou intenção de quem o escutava. Proclamava-o como uma ACÇÃO oferecida de antemão, gratuita, imerecida, e definitiva que só pedia abertura e o acolhimento na Fé:

«Não temas, somente tem Fé» (Mc 5,36)

«tudo é possível para aquele que crê» (Mc 9,23)

Diante de todo o Israel, Jesus anuncia pelo seu contacto com os excluídos e impuros que o Perdão de Deus é o sinal da Sua soberana Liberdade de amar. A santidade de Deus não depende das exigências de ritos e normas cultuais, mas manifesta-se agora como GRAÇA.


O Deus da Graça elegeu e libertou um bando de escravos do Egipto sem qualquer justificação, nem nenhum mérito precedente. Fez Aliança com eles, congregando-os como um povo simplesmente por causa da Sua Bondade. O Deus da Graça que sempre amparara o órfão e a viúva, é o mesmo que agora ousa “sujar-se”, e “misturar-se” com os impuros, excluídos e estrangeiros de Israel.

O escândalo de Jesus é manifestar um Deus que Jamais se “enoja” ou se ofende diante do nosso pecado. Pelo contrário, o pecado e suas consequências são razões mais fortes para que Deus ame ainda mais o pecador.


Um pecador encontrado, cuidado e reintegrado na sociedade valia muitíssimo mais aos olhos de Deus do que 99 fariseus observantes da Lei, 99 sacerdotes zelosos das oferendas sagradas, ou 99 homens de rectidão impecável: cada excluído valia por todo o Israel (Lc 15,7)! Cada um destes «pequeninos» com quem Jesus se cruzava tornava-se seu(ua) amigo(a), e irmão(ã) inseparável.


Seria então a Graça deste Deus ainda maior do que a sua Santidade?

Jesus revela muito mais: a única Santidade de Deus é a sua Misericórdia! Ele é Santo por causa do seu amor de predilecção, porque tem “entranhas de Mãe” (expressão hebraica que se traduz como rahamim)! É uma misericórdia nítida na imagem de um pai que não se ofende pelo filho exigir-lhe a herança ainda em vida (Lc 15,11); ou pelo mesmo pai que corre como um velho tonto, sem nenhum pudor pela figura austera e patriarcal, escandalosamente abraçando e cobrindo de beijos o seu “filho impuro” (Lc 15,20).


O anúncio extraordinário deste Perdão ia muito para além das palavras, porque sucedia como uma experiência íntima sem paralelo, provocada pelo encontro face a face com Jesus. Os «pequenos» procuravam nele uma acção terapêutica, não para encontrar remédios, mezinhas ou receitas de curandeiro, mas porque reconheciam naquele homem alguém habitado pelo Espírito de Deus, alguém cuja terapia era ele mesmo! E eles sabiam-no tão bem:


Sabiam como Jesus contagiava neles saúde, alegria e vida;
Animados pela ternura e o tremendo afecto dos seus gestos, sentiam a força libertadora do seu toque pelo modo como os tomava pela mão, abençoava, e abraçava;
sabiam agora que eram dignos de ser amados,
como autênticos filhos de Israel;
preciosos aos olhos de Deus;
queridos, especiais,
válidos…

Sim, eles sabiam…

Sabiam que com o Mestre de Nazaré o Perdão ocorria sempre como o irromper de um fascino surpreendente e uma alegria inesperada.

Muitos deles testemunhavam com euforia desconcertante como se sentiam curados, sarados das lepras da exclusão e dos fardos da culpa. Agradeciam e louvavam pelo modo como aquele Galileu despertara-lhes a confiança em si próprios; da forma como activara neles energias internas e forças psíquicas para superarem os seus bloqueios e medos.


Em Jesus experimentavam um Deus inesperado, e tão diferente das tantas máscaras que desfiguravam o Seu Rosto Salvador…

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

“Um homem descia de Jerusalém para Jericó...”




«As parábolas não servem para ilustrar um ponto de vista. São acontecimentos fortes que nos mudam. Mudam as nossas vidas virando-as do avesso.


Um rabi judeu contou a seguinte história passada com o seu avô nos tempos em que este fora aluno do famoso Rabi Baal Shem Tov. E disse:
«O meu avô estava paralítico há muitos anos. Um dia pediram-lhe que contasse uma história do seu professor e ele contou como o santo Baal Shem Tov costumava saltar e dançar durante a oração. Ao contar a história, entusiasmou-se de tal modo que se pôs de pé e começou a saltar e a dançar para mostrar como o mestre fazia. A partir daí, ficou curado. É assim que se devem contar histórias.»


As parábolas de Jesus deviam despertar-nos e arrebatar-nos. Encontramo-nos envolvidos nos seus dramas e elas transformam-nos. Jesus normalmente fazia isto porque conseguia chocar as pessoas. O problema é que conhecemos tão bem as parábolas que já raramente elas nos surpreendem. É como ouvir uma anedota quando já se lhe conhece a piada. Temos de redescobrir o sentido da surpresa.
A parábola do Bom Samaritano escandalizou os que primeiro a ouviram. Precisamos de redescobrir o sentido do choque.

Durante a revolução na Nicarágua, um dominicano americano ajudou um grupo de jovens nicaraguanos a representar a parábola do Bom Samaritano durante a Missa. Representaram um jovem nicaraguano a ser espancado e abandonado meio morto na beira do caminho. Um frade dominicano passou por ali e continuou o seu caminho sem fazer caso dele. A seguir, passou um dos inimigos, um ‘Contra’, trajando o uniforme militar. Parou, pôs-lhe um rosário ao pescoço, deu-lhe água e levou-o até à aldeia mais próxima. Nesta altura, metade da assembleia reagiu começando a gritar e a protestar. Era inaceitável que um Contra pudesse agir desta forma. "São pessoas horríveis e nada temos a ver com eles". A Missa interrompeu-se no meio do caos.


Depois, as pessoas começaram a discutir o significado da parábola. Porque tinham ficado chocadas, conseguiram compreendê-la mais profundamente. Concordaram que no futuro não se refeririam mais aos outros como ‘os Contras’ mas como ‘os nossos primos das Honduras’ ou ‘os nossos primos que estão no erro’... Voltaram a fazer o rito inicial da confissão dos pecados, deram uns aos outros o abraço da paz, e continuaram a celebração da Eucaristia. É assim que nos deveríamos sentir chocados.


O caminho

A história conta-nos uma viagem de Jerusalém até Jericó. Eu fiz essa viagem a pé, descendo a Wadi Quelt. São cerca de 24 Km, através de uma região de deserto rochoso. Fazia tanto calor que um dos meus companheiros ficou um pouco transtornado da cabeça. Mas a história em causa trata de uma viagem mais profunda. A palavra que Lucas emprega para “viagem” é a mesma (hodos) que emprega para fé cristã, “o Caminho”. A parábola é um caminho que transforma a nossa compreensão de Deus e do ser humano.



Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões ?

O doutor da lei pergunta: “Quem é o meu próximo?” E no fim, Jesus coloca uma questão diferente: “Qual dos três mostrou ser o próximo do homem que caiu nas mãos dos ladrões?” A pergunta do doutor põe-no a ele no centro. Quem é o seu próximo? Mas a parábola transforma a pergunta: é o homem maltratado que é, agora, o centro. Quem foi o próximo dele?


Viagem radical

A viagem mais radical que cada ser humano tem de fazer é a da libertação do egoísmo. Começamos esta viagem quando ainda bebés. O bebé recém-nascido é o centro do seu próprio mundo. Crescer é a lenta descoberta de que outros existem e que não existem só para fazer a vontade dele. Por trás do seio há uma mãe. Tornamo-nos plenamente humanos na medida em que aprendemos a ceder o centro a outros.

Para cada um de nós, pois, o maior desafio da vida é deixar de ser o centro do mundo. É uma verdade que se conhece intelectualmente, mas que é muito difícil de praticar. E penso que é particularmente difícil na sociedade contemporânea. A modernidade consagrou a imagem do ser humano como essencialmente solitário, desapegado dos outros, livre de obrigações, descomprometido.



Um Samaritano, ao passar, viu o homem ferido e ao vê-lo teve compaixão

A palavra que traduzimos por “ter compaixão” é uma das mais importantes do Novo Testamento. Significa ser tocado no âmago do próprio ser, nas próprias entranhas. É o choque que nos dá a consciência da presença de um outro.

Em Nova Iorque, foi feita uma experiência com um grupo de seminaristas. No programa de formação para a pregação, pediu-se-lhes que preparassem uma homilia sobre a parábola do Bom Samaritano. Deviam preparar os seus textos e em seguida dirigir-se a pé para o estúdio onde o sermão seria gravado em vídeo. Em certo ponto desse percurso, um actor, representando um homem ferido e maltratado, jazia por terra, coberto de sangue, pedindo ajuda. Oitenta por cento dos seminaristas passaram por ele e nem sequer o viram. Tinham estudado a parábola e feito sobre ela belas composições literárias e, no entanto, passaram ignorando-o. Que teremos de fazer para nos abrirmos aos outros ?



Correr o risco...

A compaixão do Samaritano transtorna os seus planos. Preparara-se para a viagem com comida, bebida e dinheiro. No entanto, usa tudo isso para um fim que não tinha imaginado. Dois denários era muito dinheiro, o suficiente para pagar mais de três semanas de estadia com pensão completa. Dá mesmo o que não tem, o que contava vir a ganhar em Jericó. Arrisca fazer uma promessa em aberto que não sabe onde o levará.


Quando o doutor da lei pergunta: “Quem é o meu próximo?” o que ele pretende é definir as suas obrigações. Quer saber com antecedência o que precisa ou não fazer. Mas a resposta do Samaritano leva-o para um terreno desconhecido. Não pode saber quanto o estalajadeiro vai pedir.


Há um velho ditado que diz: “Se queres fazer rir Deus, conta-lhe os teus planos.”





A verdadeira compaixão transtorna os nosso planos, e lança-nos no imprevisto.»



Timothy Radcliffe, op "A CAMINHO DE JERICÓ"




sábado, 14 de fevereiro de 2009

Liturgia - 6º Domingo, Tempo Comum


Depois de algum tempo de ausência neste blog, hoje gostava de partilhar aqui a introdução e a oração dos fieis da nossa eucaristia de Gaia. Umas vezes é o meu irmão Rui Pedro que prepara, hoje a tarefa tocou-me a mim. Posto-a aqui para juntos celebramos a alegria e a vivência comum da Fé. Até breve...


Introdução

Irmãos

Hoje estamos reunidos para celebrar o tempo favorável; o tempo da Alegria e da Salvação permanente dado em Jesus Ressuscitado. Já não há barreiras, medos, ou obstáculos. Já não há separação entre puros e impuros, porque TODOS fomos santificados, curados, purificados e revestidos do Homem Novo pelo Baptismo no Espírito.
Somos um Corpo Vivo com Jesus de Nazaré porque ele já nos tocou. Já limpou as lepras que nos separavam e nos oprimiam. Por isso, com ele, formamos um Só Corpo: Santo, Saudável, Vivo e glorioso!
Eis a grande Notícia: somos SANTOS. Não pelos méritos que acumulamos, ou por alguma coisa que fizemos, …mas por pura Graça daquele que continua a estender-nos a mão, a convidar-nos à Mesa do Banquete do Reino, e a realizar a comunhão fraterna dos Salvos.




Oração dos Fieis


Pai Santo:
Ajuda-nos a experimentar a alegria de vivermos como salvos. Ensina-nos, Pai, a permanecermos fiéis à Graça do nosso Baptismo, e respondermos ao Teu Projecto duma Humanidade Nova e curada na comunhão com Jesus
Oremos Irmãos

Pai Santo:
Desejamos ser Felizes na dependência do teu Amor e no Perdão fraterno. Abre-nos à urgência da comunhão com aqueles que estão longe, e ainda não conheceram a proximidade de irmãos. Enche o nosso coração da tua compaixão, Pai Santo, para que sejamos sinal visível e eficaz da tua Misericórdia
Oremos Irmãos

Pai Santo:
Pedimos-te pelos tristes, os amaldiçoados e todos quantos carregam as feridas da incompreensão e da intolerância. Ajuda-nos, Pai Santo, a exercermos o ministério da Reconciliação, e sermos mediação de Jesus Ressuscitado, a Árvore da Vida cujas folhas curam toda a humanidade
Oremos Irmãos


terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Mãos à OBRA...






Pára e Escuta


Vive sempre no Presente


Saboreia a beleza da Vida


Conquista os teus medos


Arrisca sempre nas opções


Compromete-te nas decisões


Assume os desafios que a vida te propõe


Abre-te ao outro. Não vivas em espiral


Cria raízes profundas de intimidade no Espírito, para sorveres do leito de Deus


Acredita sempre – sempre! – que apesar dos teus desencontros e fracassos, és amado(a)


Transparente e Fiel a ti mesmo(a)


Audaz


Livre


Morre bem para que possas Renascer Bem






A Vida continua...e a Obra também...


A OBRA...

TUA...

CRESCE...

CONTINUA...



CONTINUAS...HOJE...

AGORA...

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Hoje, assim, diante de mim...



O que escrevo aqui hoje é uma tentativa de significar um acontecimento vital que sucedeu comigo há bem pouco tempo. Um acontecimento, uma experiência Grande e Boa demais para guardar. Porque afinal as melhores experiências são pessoas!

E garanto-te que hoje revelo-te alguém não só muito especial para mim, mas sobretudo alguém que creio ser um Dom para nós…





Hoje. Há muito que não experimentava um dia assim…há muito mesmo



Hoje… apanhaste-me desprevenido e não o imaginava assim, não desta maneira nem depois de tudo o que passaste…

Envolvente, imenso, e desconcertante… assim é a Beleza do Mistério que te habita!
O Mistério bom que ainda és para mim.

Comunicaste-me uma Boa Notícia que encerra o âmago da própria Vida. Algo tão excepcionalmente sublime e autêntico…que ainda o mastigo por dentro.
Saboreio com um encanto louco as tuas palavras, mas não me atrevo a revelá-las ainda. Não…não assim cruamente, nem já.

Primeiro estás Tu o teu contexto! Primeiro toda a gente tem de saber quem és para se darem conta da Notícia tremenda que há em ti!! Por isso aqui vai:



Conheço a tua história…

Conheço-a muito bem porque a vivi contigo desde menino, no tempo onde entraste na minha vida como “o tio doente que vem morar connosco”.

Com apenas 6 anitos, recordo-me de chegares lá em casa e ainda te apoiavas num andarilho. A avó conduziu-te ao quarto que passou a ser o teu lar improvisado por 8 anos; teu e dela, porque desde esse dia nunca mais a vi separada de ti. Dormindo numa cama junto à tua, a cuidar-te, lavar-te, vestir-te, alimentar-te…enfim, a amar-te. E que bem ela te amou! Tão bem…

Não demorou muito tempo até eu saber porque estavas assim:

Num dia de viagem um camião chocou contra o teu carro, esmagando ainda mais viaturas pelo caminho. E enquanto os bombeiros acudiam as outras vítimas, ficaste encurralado no lugar do condutor com a coluna vertebral afectada. Felizmente conseguiram-te retirar, mas não era o fim do drama, somente o começo…
Uns dias mais tarde, os médicos diagnosticaram-te tetraplegia irreversível e não mais do que alguns anos de vida…
Assim, pouco a pouco, e num curto espaço de tempo, os teus membros foram-se desligando um por um: primeiro as pernas, depois os braços, as mãos, até que quando eu completei 7 anos…só conseguias mexer a cabeça. Como se isso não bastasse, durante esse tempo, enquanto a paralisia progredia, a tia pediu-te o divórcio e a minha prima teve de ficar na custódia dos avós maternos…

Eu não ouso sequer imaginar o que sentiste naqueles tempos, e ainda hoje…

Mas a verdade é que apesar de tudo; sim, apesar de tudo isso, desde a infância, não me recordo de te ver desesperado ou frustrado. Nunca. Nem por um instante!
Ainda que desabafasses o quanto te custava aquela situação, em nenhum momento senti em ti revolta ou ressentimento;

A paz iluminava teimosamente o teu rosto, e apesar dos teus momentos difíceis lá em casa, a serenidade e a boa disposição eram a tua imagem de marca, sempre!
Contudo a resignação também não te dominava. De modo nenhum! Foste persistindo e resistindo com o andar do tempo. E sei os mil e um esforços que empenhaste para procurar ainda uma solução de última hora, um milagre da medicina ou outro qualquer que pusesse termo à tua invalidez. E quando finalmente te convenceste que a situação era irreversível, ainda assim… não desististe de ti.

Também me lembro muito bem das horas que passavas vergado na cadeira de rodas, com os olhos cerrados, em silêncio, perdido num mundo ainda desconhecido para mim. É certo que o fazias para esquecer as dores que já te atormentavam. Mas mais tarde confidenciavas-me como passavas momentos muito bons assim, junto de Deus, saboreando o lado de dentro da vida, o lado que hoje confirmo visível, diante de mim.

Com efeito, eu já experimentava em ti alguém muito especial:

Com um sorriso, contavas sempre anedotas e histórias engraçadas. Eu pequenito, às vezes, sentava-me ao pé de ti enquanto a avó te dava de comer, e ria-me à fartazana a ouvir as tuas traquinices. Recordo-te com carinho como uma pessoa muito fraterna, excepcionalmente alegre e eloquente. Por isso não me admirava que tantos amigos te visitassem! As longas horas a fio que passavam contigo, cativando-se com a tua presença. Tal como hoje…

Por vezes, a avó pedia que se despedissem, porque já não aguentavas sentado por tanto tempo. Tem graça, era preciso ela tomar sempre a iniciativa porque de ti ninguém ouvia sequer uma lamúria ou uma queixa. E poderia ser de outra maneira? Precisavas de conviver, comunicar, sentir-te querido e desejado. A companhia dos que amavas e estimavas fazia-te sempre esquecer a dor…

E que vontade! Ai que vontade manifestavas… uma vontade imensa de abertura, bem-querer e comunhão! Por isso nunca notei em ti um pingo de egoísmo ou auto-enroscamento. Às vezes via-te mais preocupado e atribulado com os outros do que contigo. Mas certamente também foi o que te manteve Vivo por tanto tempo…

Entretanto os anos foram passando, tu e a avó já tinham casa própria e uma senhora suficientemente generosa para dispor-se a morar convosco e cuidar dos dois. Contudo, algum tempo depois aconteceu o que todos esperavam, mas para o qual não estavas preparado: a avó morreu…
A tua Mãe, enfermeira, e confidente deixava-te após 15 anos de cuidados e ternura intensivos. Como foi duríssimo e doloroso para ti…

De repente, os teus irmãos e cunhados já murmuravam: “preparem-se! Ele não há-de durar muito mais. Isto acabou com ele!”. Mas, apesar do choque e da solidão que sentiste; e contra todas as expectativas e previsões… já se passaram 10 anos e ainda estás connosco!

Porém, os últimos tempos não te deram tréguas.

A doença avançou e já te dificulta a respiração. Não aguentas muito tempo a falar. A vista e a audição enfraqueceram muito. Agora nem és capaz de ler um jornal, e não há óculos que te valham. As dores agora espalharam-se por todo corpo e já não suportas mais de meia-hora sentado. Dormes somente duas a três horas por noite, e a medicação para o sono deixou de fazer efeito. Sei perfeitamente o que tens passado…

Há pouco tempo confidenciavas-me com amargura que já era demais. Sim é verdade que era demais!Há limites…e aceitava que mais dia, menos dia, ias atingir os teus. Quanto a mim, não podia fazer mais nada senão ficar contigo, em silêncio… ao pé de ti. Enfim, eu já agradecia por teres suportado e vivido tanto até agora, mas…

Doía-me ver-te assim. Via-te mais abatido do que nunca e a alegria de outrora deixara-te. Às vezes desejava no meu íntimo que a morte te visitasse mais cedo, porque mais do que a tua enfermidade, não suportava ver-te naquela exasperação.

Já me ia convencendo que aquele que conheci, e que tanta vida me inspirou no passado, tinha finalmente sucumbido perante o peso de tanto tormento. E de algumas semanas para cá não deixava de pensar nisto… até hoje…

E hoje revi-te novamente, na mesma posição que te encontro sempre: deitado e molestado por dores incríveis como tantas vezes me confessas. Como de costume, sentei-me ao lado da cama e saudei-te. Conversamos sobre coisas de família, e quando partilhamos o que ia no coração de cada um, aí notei que estavas diferente. E foi então, enquanto palavra puxava palavra, que…de súbito me sussurraste:



“Tu sabes que já estou assim há 28 anos. Mas olha, apesar de todas as contrariedades, hoje dou-me conta que sou Feliz, sou mesmo Feliz. Sinto-me Feliz!”



A primeira reacção já não sei se foi choque ou apatia, mas ainda tentava perceber se estava a sonhar ou acordado! Porém, enquanto te escutava, fitei o teu rosto: o olhar sereno, a firmeza da tua voz, a solenidade com que o disseste…caramba. Era mesmo verdade!!! Será possível?

E que dizer mais? Haverá palavras? Nelas não cabe certamente o que aconteceu contigo…e comigo.


Parece romântico… Mas é verídico! Aconteceu. Hoje. É verdadeiro. Real. Aconteceu. Hoje. Diante de mim.

...



E uma coisa é certa: não foi uma explosão de optimismo que te invadiu! Não foi um “vype” que te deu assim… é impossível porque sei muito bem como a realidade te visita, e não é com “açúcar”. Não! Também não foi uma ilusão porque a tua circunstância nunca te deu margem para isso!

Então o que é? O que te faz dizer isso? O que te faz dizê-lo, senti-lo e vivê-lo assim no meio da pior fase da tua vida? O quê?

…E quanto tempo há-de durar esta nova fase? Será “fase”? Ou um salto qualitativo que deste?

Vamos continuar a aguardar, vamos esperar...
A história ainda não terminou. Continuas a ser o autor e insistes em seres tu, e somente tu a dar-lhe uma conclusão, não as tuas circunstâncias…

Como aconteceu isso dentro de ti? A verdade é que não sei explicá-lo…

Mas quero...
e preciso...
de Agradecer, e partilhá-lo assim:




Hoje confirmo que o sofrimento ainda não tomou a última palavra para te silenciar.

Hoje saboreio que sempre viveste mais reconciliado do que conformado com a tua situação. Por isso és mesmo alguém que continua a amar a vida de verdade!

Hoje exulto por compreender que acontece em ti um Mistério inesgotável. Algo que só tu o vives e compreendes como ninguém…

Hoje fazes-me tão bem porque me mostras que os impossíveis de Deus afinal estão ao alcance de um olhar, de um toque, de uma intimidade e duma história como a tua…

Há quem diga que em ti há uma força sobre-humana. Eu prefiro dizer que revelas o que em todos nós há de mais humano.

Por isso, Hoje estou seguro, e sou testemunha que és dos rostos mais belos da Homem Novo. E tenho tanto, mas tanto orgulho de ser amado por ti!

Hoje sinto-me tão grato por te conhecer desde há tanto tempo; por ser tão marcado pela tua presença; por ainda me surpreenderes assim. És sem dúvida a pessoa que mais admiro…

Hoje não podia deixar de dizer-te, e partilhar-te, porque és bom demais para seres somente o meu tio.

Hoje partilho-te porque estou seguro que muita gente precisa de saber que há mesmo seres humanos assim! Só por conhecerem a Boa Notícia que existes, que és real, que és alguém…


Sei que não foi a tetraplegia que te fez assim, e não és especial por sofreres de invalidez!
Foste tu, apesar da tetraplegia, que te fizeste assim, especial.

Ahh e se foste assim, e se Hoje és, … Quem serás Amanhã?



Tu estás Vivo! És nosso! És tão nosso!
Não abdicamos de ti, nós todos que procuramos uma vida com sentido,
nós que ansiamos acolhê-la em plenitude! És e serás nosso para sempre.
Sim, porque tenho a certeza que a tua Vida está marcada com o selo do que é eterno e não morre. Tenho a certeza absoluta que no dia do teu último parto a Comunhão Universal será ainda mais dilatada pela plenitude do que construíste. Aí serás Um com todos os Viventes, e neles com Aquele que suscita já em ti, e suscitou desde sempre, o melhor.

Aí tenho a certeza, nesse Céu, e contigo, Deus será ainda mais Deus…


quinta-feira, 15 de janeiro de 2009




« O mundo está cheio de surpresas que nos põem a caminho.
Como aquela criança que olhava para o pai. Este dizia-lhe: "Vês
aquela coisa grande, ali, alta, é uma árvore. E aqui - enterrava uma
sementinha - vai nascer uma como aquela." A criança abria a boca de
espanto e sorria. Acreditou. Não é que tivesse lógica, mas era o pai que
dizia»

Vasco Pinto Magalhães, s.j.



segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O CAMINHO DA PALAVRA [2]






3. A experiência pascal e a Tradição Viva

A Ressurreição de Jesus aconteceu na vida dos seus discípulos como experiência pascal. Nos dias que se seguiram à crucifixão e morte do Mestre começaram a fazer uma experiência interior fortíssima de Presença. Graças à sua vivência histórica com Jesus, deram-se conta que era ele mesmo, reconheceram-no: “é o Senhor!” (Jo 28,8). A morte não o engolira, Deus ressuscitara-o! E ali estava ele, comunicando-se Vivo e Presente: era o mesmo Jesus de sempre, e continuava a realizar as mesmas acções que manifestara na sua vida pública.

Além disso, o ressuscitado também se revelava “no meio deles”. Isso significa que os discípulos formavam uma comunidade memorial na medida em que, unidos em comunhão fraterna pela causa do Mestre e fazendo o memorial das suas palavras e gestos, experimentavam-no claramente Com-Vivente, solidário, entre eles, de uma forma nova e ainda mais intensa.

Por fim, a experiência pascal que fizeram foi também confirmada pela mediação da Tradição Viva de Israel. Lendo retrospectivamente a sua história com Jesus e a história do seu povo, os discípulos chegaram à conclusão que aquela morte não era um absurdo. Pelo contrário, a lógica de Deus actuar ao longo das gerações fora manifestada em plenitude no Mestre de Nazaré. Por isso mesmo Deus o ressuscitou, assumiu, glorificou e o constituiu Messias. Agora compreendem isto: Jesus de Nazaré é o coração da Tradição Viva e da Escritura: Nele se cumpriram todas as promessas de Deus a Israel. Nele se inaugurou o Projecto Salvador de Deus para o seu Povo, anunciado desde o tempo dos patriarcas e profetas.

Os próprios Evangelhos apresentam-nos a clara sintonia entre a vida de Jesus e a Tradição:

«E começando por Moisés e continuando por todos os profetas, explicou-lhes o que se referia a ele em toda a Escritura.» (Lc 24,27)

«Não nos ardia o coração enquanto nos falava pelo caminho e nos explicava a Escritura?» (Lc 24,32)

«Hoje, em vossa presença cumpriu-se esta Escritura» (Lc 4,21)

«Quando ressuscitou da morte, os discípulos recordaram o que ele havia dito, e creram na Escritura e nas palavras de Jesus» (Jo 2,22)


S. Paulo foi ainda mais longe. Apesar de nunca ter tido uma vivência histórica com Jesus, isso não foi impedimento para fazer a experiência pascal. O Ressuscitado revelou-se a Paulo pelas mediações da comunidade memorial – primeiro a de Damasco e depois a de Antioquia –, e da Tradição Viva que conhecia tão bem a partir da Escritura. E foi especialmente esse conhecimento bíblico que constituiu para Paulo a porta principal de entrada para a Boa Notícia da Ressurreição.

Agora, relendo a Tradição à luz da ressurreição, Paulo abandona o antigo farisaísmo e afirma que em Jesus aconteceu algo maior do que a sua própria vida. Nele aconteceu algo que diz respeito a toda a história e não somente aos judeus. Pela Fé, toda a humanidade pode receber Nele a Vida de Deus. Todos os ritos antigos e a Lei judaica tornaram-se obsoletos porque Nele se constituiu uma Nova Aliança.


4. Da Tradição Viva à Escritura

Com o tempo a Tradição foi passando a ser redigida. A Escritura é a gravação desse Testemunho Vivo de Deus com o seu Povo em papiros e rolos. E como a Tradição foi sempre dinâmica e histórica, a Escritura foi sendo alargada, acrescentada, e retocada ao longo dos séculos. Foi assim que nasceu um conjunto de livros, escritos antes e depois de Jesus, a que hoje denominamos “bíblia”.

A bíblia não é propriamente um livro, mas uma biblioteca de 73 livros divididos em duas secções: 46 livros do Antigo Testamento e 27 livros do Novo Testamento. Como já vimos, Jesus está no seu centro. Ele é o ponto de chegada da Aliança do Sinai (Antigo Testamento), agora definitivamente renovada na sua ressurreição pelo Dom do Espírito que realiza a adopção filial da humanidade (Novo Testamento).

A bíblia não é Revelação de Deus no estado puro. Ela reúne géneros literários de vários autores, com sensibilidades e visões do mundo distintas. Se até repararmos bem, a bíblia nem sempre apresenta uma linguagem edificante; mas vem carregada de tentativas, ambiguidades, desilusões, fracassos, e limitações… tudo porque ela não é um ditado de Deus, mas somente inspirada. Nela vislumbramos um Deus que não tem pudor em dizer-se na nossa humanidade imperfeita e ainda em construção. Nela está patente a Revelação progressiva do Rosto de Deus em contextos delimitados por uma determinada cultura, época e circunstância. Então, como interpretá-la? Quais os critérios? Como re-descobrir nela o Deus de Jesus sem cairmos no risco da beatice ou da indiferença?



Com efeito, a bíblia só pode ser Revelação na medida que for uma mediação privilegiada do Deus-Palavra, do seu Amor, e do seu agir em nós. E isso acontece numa caminhada de Fé em comunidade memorial. Esse é o ponto de partida para começamos do princípio. Do princípio da História de Deus com este Povo. E se nos sintonizarmos nessas condições também faremos a mesma descoberta, a mesma experiência teologal de tantos homens e mulheres que nela intervieram. Também acontecerá connosco o Encontro provocado pela Escuta, a experiência pascal dos discípulos de Emaús com o coração a arder pela explicação das Escrituras, que continuam a reconhecer a Presença do Ressuscitado, que descobrem um Deus sempre novo, sempre mais belo e encantador.






A História de Deus-Connosco não terminou em Jesus.
Tu, eu, e nós somos convocados a viver um Projecto de Salvação
simultaneamente como destinatários e protagonistas.
Tu, eu e nós podemos ser Testemunho e Tradição Viva.
Tu, eu, e nós estamos talhados a ser Palavra, resposta,
e acção Salvadora de Deus no seio da humanidade.
Tu, eu e nós, a Caminho…