quarta-feira, 23 de setembro de 2009

AS PARÁBOLAS DE JESUS II - Uma Nova profecia




Jesus nunca explicou directamente a sua experiência do Reino de Deus. Não usou a linguagem complicada dos escribas para dialogar com os camponeses da Galileia, nem sabia falar com o costume solene dos sacerdotes de Jerusalém. Ele aproveitou antes um estilo muito comum, usado pelos doutores da lei e rabis do seu tempo: os meshalîm - ensinamentos, sentenças ou histórias exemplares que serviam para ilustrar a aplicação dum dado mandamento da Lei. Porém, enquanto os sábios de Israel aplicavam esse género de linguagem para explicar a Lei, Jesus usava-o duma forma mais simples para falar do Reino de Deus.



O primeiro interesse do Mestre de Nazaré eram as pessoas e não a religião. Os seus gestos e atitudes apontavam para um Deus que se preocupava mais com as suas vidas e inquietações, do que propriamente com todas as questões religiosas ou prescrições da Lei. As parábolas de Jesus ilustravam isso mesmo, demonstrando quais eram as prioridades de Deus e do seu Reino que vinha para corresponder às aspirações mais profundas e urgentes de um povo oprimido.


As suas palavras não tinham nada de artificial, eram claras, evidentes e simples. Ao que parece, ele nunca sentia necessidade de as explicar, nem antes, nem depois do seu relato; não recapitulava o conteúdo nem esclarecia com outra linguagem. A própria parábola tinha que penetrar com toda a sua força e sem confusões, pois
«quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça» (Mc 4, 9).


Jesus simplesmente partia da realidade que as pessoas viviam e do ambiente que as circundava para dar a conhecer uma Novidade absoluta e feliz. Assim, com liberdade poética evocava toda a vida quotidiana da Galileia: os seus trabalhos e festas, o seu céu e estações, os seus rebanhos, vinhas, campos dourados repletos de espigas, figueiras que despontavam na primavera, ou o lago de Genesaré com a faina da pesca…


Ele já não falava no deserto como João Baptista, mas aproximava o Reino de Deus a cada aldeia, cada família, cada pessoa. E assim, com relatos cativantes ia removendo obstáculos e eliminando resistências para que todos pudessem abrir-se à maravilhosa e Nova experiência de Deus.

Nas suas palavras pressentia-se que algo de inédito estava a acontecer: alguma coisa já se passava secretamente no interior da massa da farinha que se cozia nas casas; na mais pequena e insignificante das sementes; ou nos campos, que aparentemente sem grande fertilidade, não tardariam a produzir uma quantidade inesperada de fruto como ninguém vira.


Deste modo, a sua linguagem sugeria que a força salvadora de Deus estava já a despontar, e ainda que actuando no interior da vida de modo oculto e misterioso, já surgia de forma decidida e poderosa, pronta a manifestar-se com um esplendor incomparável.


Um dos traços mais vincados nas suas parábolas era o anúncio persistente de um Reino que não se apoiava em nenhuma instituição ou tradição humana, mas em Deus mesmo. Aqueles relatos giravam sempre em torno da experiência original dos grandes profetas e mediadores da Aliança, que
precediam todos os legalismos ou cultos vazios que mais tarde prevaleceram em Israel. Por isso, as parábolas iam ao encontro da verdadeira essência da Lei, que não assentava em normas castrantes, mas no próprio Amor de Deus.


As parábolas de Jesus também deixavam bem claro que no Reino de Deus as coisas aconteciam sempre do jeito que não era suposto acontecerem!! Nelas tudo tornava-se intensamente desconcertante: Deus mesmo agia de um modo excêntrico, chocante, e totalmente surpreendente, …fazendo até “o que não era conveniente” à Sua Santidade!
Era uma nova realidade onde só Ele mesmo mandava de verdade, porque a todos - sem excepção - puxava o tapete debaixo do chão…


Naquelas histórias Yahvé “perdera literalmente o juízo”: abandonando as rédeas da boa conduta divina misturava-se sem pudor nenhum com os indesejados de Israel; abraçava os impuros, acolhia os delinquentes e perdoava os não-arrependidos; apontava os inimigos como exemplo a seguir; era implacável com os que não faziam mal a uma mosca; e ainda por cima ou repreendia os justos, ou então simplesmente esquecia-se deles…


Diante deste anúncio muitos exclamavam: «O que é isto? Um novo ensinamento com autoridade» (Mc 1,27);


As parábolas mais desconcertantes, mas também certamente das mais belas, eram reservadas aos “peritos de Deus”. Elas surgiam como resposta de Jesus ao confronto com os doutores da lei e fariseus. Aquele Nazareno da plebe chocava-os com este Rosto de Deus tão Livre e Libertador, fazendo-os perceber que afinal ainda nada entendiam da Misericórdia e da Compaixão de Yahvé.


Afinal de contas, o Amor do Pai jogava-se com outras regras, e noutro terreno que ultrapassava todos os limites conhecidos. E quem o escutava já ia percebendo que a próxima parábola revelaria uma surpresa ainda mais atordoante e inesperada, como um fortíssimo abanão!


Ainda hoje, é este o melhor modo do Reino de Deus nos encontrar: desprevenidos, despidos de qualquer pretensão e conhecimento prévio, verdadeiramente abertos a uma Notícia com o peso e a medida maiores do que nós mesmos, prontos para uma Boa Nova densa de mudança…


E hoje as parábolas só são Boas Notícias de Deus quando continuam a dizer-nos que ainda não O conhecemos de todo! É isso que as torna universais e intemporais. Não porque nelas haja a “moral da história” de todos os tempos, …mas porque continuam a dizer-nos que em Deus ainda há Novidade, Beleza escondida, e – porque não dizê-lo? – também choque, e escândalo!
É que ainda não é suposto Ele ser e agir somente desta ou daquela maneira…


O Seu Reino ainda é território desconhecido, continua a expandir-se ao longo da história, a acontecer e a transformar-nos a partir de dentro, sempre onde e do jeito que ainda não esperávamos nem sequer sonhávamos descobrir…



1 comentário:

calmeiro matias disse...

É bom saborear as palavras e os gestos de um homem que,afinal, era a expressão humana de Deus.
Obrigado Gustavo
Calmeiro Matias