terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Mãos à OBRA...






Pára e Escuta


Vive sempre no Presente


Saboreia a beleza da Vida


Conquista os teus medos


Arrisca sempre nas opções


Compromete-te nas decisões


Assume os desafios que a vida te propõe


Abre-te ao outro. Não vivas em espiral


Cria raízes profundas de intimidade no Espírito, para sorveres do leito de Deus


Acredita sempre – sempre! – que apesar dos teus desencontros e fracassos, és amado(a)


Transparente e Fiel a ti mesmo(a)


Audaz


Livre


Morre bem para que possas Renascer Bem






A Vida continua...e a Obra também...


A OBRA...

TUA...

CRESCE...

CONTINUA...



CONTINUAS...HOJE...

AGORA...

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Hoje, assim, diante de mim...



O que escrevo aqui hoje é uma tentativa de significar um acontecimento vital que sucedeu comigo há bem pouco tempo. Um acontecimento, uma experiência Grande e Boa demais para guardar. Porque afinal as melhores experiências são pessoas!

E garanto-te que hoje revelo-te alguém não só muito especial para mim, mas sobretudo alguém que creio ser um Dom para nós…





Hoje. Há muito que não experimentava um dia assim…há muito mesmo



Hoje… apanhaste-me desprevenido e não o imaginava assim, não desta maneira nem depois de tudo o que passaste…

Envolvente, imenso, e desconcertante… assim é a Beleza do Mistério que te habita!
O Mistério bom que ainda és para mim.

Comunicaste-me uma Boa Notícia que encerra o âmago da própria Vida. Algo tão excepcionalmente sublime e autêntico…que ainda o mastigo por dentro.
Saboreio com um encanto louco as tuas palavras, mas não me atrevo a revelá-las ainda. Não…não assim cruamente, nem já.

Primeiro estás Tu o teu contexto! Primeiro toda a gente tem de saber quem és para se darem conta da Notícia tremenda que há em ti!! Por isso aqui vai:



Conheço a tua história…

Conheço-a muito bem porque a vivi contigo desde menino, no tempo onde entraste na minha vida como “o tio doente que vem morar connosco”.

Com apenas 6 anitos, recordo-me de chegares lá em casa e ainda te apoiavas num andarilho. A avó conduziu-te ao quarto que passou a ser o teu lar improvisado por 8 anos; teu e dela, porque desde esse dia nunca mais a vi separada de ti. Dormindo numa cama junto à tua, a cuidar-te, lavar-te, vestir-te, alimentar-te…enfim, a amar-te. E que bem ela te amou! Tão bem…

Não demorou muito tempo até eu saber porque estavas assim:

Num dia de viagem um camião chocou contra o teu carro, esmagando ainda mais viaturas pelo caminho. E enquanto os bombeiros acudiam as outras vítimas, ficaste encurralado no lugar do condutor com a coluna vertebral afectada. Felizmente conseguiram-te retirar, mas não era o fim do drama, somente o começo…
Uns dias mais tarde, os médicos diagnosticaram-te tetraplegia irreversível e não mais do que alguns anos de vida…
Assim, pouco a pouco, e num curto espaço de tempo, os teus membros foram-se desligando um por um: primeiro as pernas, depois os braços, as mãos, até que quando eu completei 7 anos…só conseguias mexer a cabeça. Como se isso não bastasse, durante esse tempo, enquanto a paralisia progredia, a tia pediu-te o divórcio e a minha prima teve de ficar na custódia dos avós maternos…

Eu não ouso sequer imaginar o que sentiste naqueles tempos, e ainda hoje…

Mas a verdade é que apesar de tudo; sim, apesar de tudo isso, desde a infância, não me recordo de te ver desesperado ou frustrado. Nunca. Nem por um instante!
Ainda que desabafasses o quanto te custava aquela situação, em nenhum momento senti em ti revolta ou ressentimento;

A paz iluminava teimosamente o teu rosto, e apesar dos teus momentos difíceis lá em casa, a serenidade e a boa disposição eram a tua imagem de marca, sempre!
Contudo a resignação também não te dominava. De modo nenhum! Foste persistindo e resistindo com o andar do tempo. E sei os mil e um esforços que empenhaste para procurar ainda uma solução de última hora, um milagre da medicina ou outro qualquer que pusesse termo à tua invalidez. E quando finalmente te convenceste que a situação era irreversível, ainda assim… não desististe de ti.

Também me lembro muito bem das horas que passavas vergado na cadeira de rodas, com os olhos cerrados, em silêncio, perdido num mundo ainda desconhecido para mim. É certo que o fazias para esquecer as dores que já te atormentavam. Mas mais tarde confidenciavas-me como passavas momentos muito bons assim, junto de Deus, saboreando o lado de dentro da vida, o lado que hoje confirmo visível, diante de mim.

Com efeito, eu já experimentava em ti alguém muito especial:

Com um sorriso, contavas sempre anedotas e histórias engraçadas. Eu pequenito, às vezes, sentava-me ao pé de ti enquanto a avó te dava de comer, e ria-me à fartazana a ouvir as tuas traquinices. Recordo-te com carinho como uma pessoa muito fraterna, excepcionalmente alegre e eloquente. Por isso não me admirava que tantos amigos te visitassem! As longas horas a fio que passavam contigo, cativando-se com a tua presença. Tal como hoje…

Por vezes, a avó pedia que se despedissem, porque já não aguentavas sentado por tanto tempo. Tem graça, era preciso ela tomar sempre a iniciativa porque de ti ninguém ouvia sequer uma lamúria ou uma queixa. E poderia ser de outra maneira? Precisavas de conviver, comunicar, sentir-te querido e desejado. A companhia dos que amavas e estimavas fazia-te sempre esquecer a dor…

E que vontade! Ai que vontade manifestavas… uma vontade imensa de abertura, bem-querer e comunhão! Por isso nunca notei em ti um pingo de egoísmo ou auto-enroscamento. Às vezes via-te mais preocupado e atribulado com os outros do que contigo. Mas certamente também foi o que te manteve Vivo por tanto tempo…

Entretanto os anos foram passando, tu e a avó já tinham casa própria e uma senhora suficientemente generosa para dispor-se a morar convosco e cuidar dos dois. Contudo, algum tempo depois aconteceu o que todos esperavam, mas para o qual não estavas preparado: a avó morreu…
A tua Mãe, enfermeira, e confidente deixava-te após 15 anos de cuidados e ternura intensivos. Como foi duríssimo e doloroso para ti…

De repente, os teus irmãos e cunhados já murmuravam: “preparem-se! Ele não há-de durar muito mais. Isto acabou com ele!”. Mas, apesar do choque e da solidão que sentiste; e contra todas as expectativas e previsões… já se passaram 10 anos e ainda estás connosco!

Porém, os últimos tempos não te deram tréguas.

A doença avançou e já te dificulta a respiração. Não aguentas muito tempo a falar. A vista e a audição enfraqueceram muito. Agora nem és capaz de ler um jornal, e não há óculos que te valham. As dores agora espalharam-se por todo corpo e já não suportas mais de meia-hora sentado. Dormes somente duas a três horas por noite, e a medicação para o sono deixou de fazer efeito. Sei perfeitamente o que tens passado…

Há pouco tempo confidenciavas-me com amargura que já era demais. Sim é verdade que era demais!Há limites…e aceitava que mais dia, menos dia, ias atingir os teus. Quanto a mim, não podia fazer mais nada senão ficar contigo, em silêncio… ao pé de ti. Enfim, eu já agradecia por teres suportado e vivido tanto até agora, mas…

Doía-me ver-te assim. Via-te mais abatido do que nunca e a alegria de outrora deixara-te. Às vezes desejava no meu íntimo que a morte te visitasse mais cedo, porque mais do que a tua enfermidade, não suportava ver-te naquela exasperação.

Já me ia convencendo que aquele que conheci, e que tanta vida me inspirou no passado, tinha finalmente sucumbido perante o peso de tanto tormento. E de algumas semanas para cá não deixava de pensar nisto… até hoje…

E hoje revi-te novamente, na mesma posição que te encontro sempre: deitado e molestado por dores incríveis como tantas vezes me confessas. Como de costume, sentei-me ao lado da cama e saudei-te. Conversamos sobre coisas de família, e quando partilhamos o que ia no coração de cada um, aí notei que estavas diferente. E foi então, enquanto palavra puxava palavra, que…de súbito me sussurraste:



“Tu sabes que já estou assim há 28 anos. Mas olha, apesar de todas as contrariedades, hoje dou-me conta que sou Feliz, sou mesmo Feliz. Sinto-me Feliz!”



A primeira reacção já não sei se foi choque ou apatia, mas ainda tentava perceber se estava a sonhar ou acordado! Porém, enquanto te escutava, fitei o teu rosto: o olhar sereno, a firmeza da tua voz, a solenidade com que o disseste…caramba. Era mesmo verdade!!! Será possível?

E que dizer mais? Haverá palavras? Nelas não cabe certamente o que aconteceu contigo…e comigo.


Parece romântico… Mas é verídico! Aconteceu. Hoje. É verdadeiro. Real. Aconteceu. Hoje. Diante de mim.

...



E uma coisa é certa: não foi uma explosão de optimismo que te invadiu! Não foi um “vype” que te deu assim… é impossível porque sei muito bem como a realidade te visita, e não é com “açúcar”. Não! Também não foi uma ilusão porque a tua circunstância nunca te deu margem para isso!

Então o que é? O que te faz dizer isso? O que te faz dizê-lo, senti-lo e vivê-lo assim no meio da pior fase da tua vida? O quê?

…E quanto tempo há-de durar esta nova fase? Será “fase”? Ou um salto qualitativo que deste?

Vamos continuar a aguardar, vamos esperar...
A história ainda não terminou. Continuas a ser o autor e insistes em seres tu, e somente tu a dar-lhe uma conclusão, não as tuas circunstâncias…

Como aconteceu isso dentro de ti? A verdade é que não sei explicá-lo…

Mas quero...
e preciso...
de Agradecer, e partilhá-lo assim:




Hoje confirmo que o sofrimento ainda não tomou a última palavra para te silenciar.

Hoje saboreio que sempre viveste mais reconciliado do que conformado com a tua situação. Por isso és mesmo alguém que continua a amar a vida de verdade!

Hoje exulto por compreender que acontece em ti um Mistério inesgotável. Algo que só tu o vives e compreendes como ninguém…

Hoje fazes-me tão bem porque me mostras que os impossíveis de Deus afinal estão ao alcance de um olhar, de um toque, de uma intimidade e duma história como a tua…

Há quem diga que em ti há uma força sobre-humana. Eu prefiro dizer que revelas o que em todos nós há de mais humano.

Por isso, Hoje estou seguro, e sou testemunha que és dos rostos mais belos da Homem Novo. E tenho tanto, mas tanto orgulho de ser amado por ti!

Hoje sinto-me tão grato por te conhecer desde há tanto tempo; por ser tão marcado pela tua presença; por ainda me surpreenderes assim. És sem dúvida a pessoa que mais admiro…

Hoje não podia deixar de dizer-te, e partilhar-te, porque és bom demais para seres somente o meu tio.

Hoje partilho-te porque estou seguro que muita gente precisa de saber que há mesmo seres humanos assim! Só por conhecerem a Boa Notícia que existes, que és real, que és alguém…


Sei que não foi a tetraplegia que te fez assim, e não és especial por sofreres de invalidez!
Foste tu, apesar da tetraplegia, que te fizeste assim, especial.

Ahh e se foste assim, e se Hoje és, … Quem serás Amanhã?



Tu estás Vivo! És nosso! És tão nosso!
Não abdicamos de ti, nós todos que procuramos uma vida com sentido,
nós que ansiamos acolhê-la em plenitude! És e serás nosso para sempre.
Sim, porque tenho a certeza que a tua Vida está marcada com o selo do que é eterno e não morre. Tenho a certeza absoluta que no dia do teu último parto a Comunhão Universal será ainda mais dilatada pela plenitude do que construíste. Aí serás Um com todos os Viventes, e neles com Aquele que suscita já em ti, e suscitou desde sempre, o melhor.

Aí tenho a certeza, nesse Céu, e contigo, Deus será ainda mais Deus…


quinta-feira, 15 de janeiro de 2009




« O mundo está cheio de surpresas que nos põem a caminho.
Como aquela criança que olhava para o pai. Este dizia-lhe: "Vês
aquela coisa grande, ali, alta, é uma árvore. E aqui - enterrava uma
sementinha - vai nascer uma como aquela." A criança abria a boca de
espanto e sorria. Acreditou. Não é que tivesse lógica, mas era o pai que
dizia»

Vasco Pinto Magalhães, s.j.



segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

O CAMINHO DA PALAVRA [2]






3. A experiência pascal e a Tradição Viva

A Ressurreição de Jesus aconteceu na vida dos seus discípulos como experiência pascal. Nos dias que se seguiram à crucifixão e morte do Mestre começaram a fazer uma experiência interior fortíssima de Presença. Graças à sua vivência histórica com Jesus, deram-se conta que era ele mesmo, reconheceram-no: “é o Senhor!” (Jo 28,8). A morte não o engolira, Deus ressuscitara-o! E ali estava ele, comunicando-se Vivo e Presente: era o mesmo Jesus de sempre, e continuava a realizar as mesmas acções que manifestara na sua vida pública.

Além disso, o ressuscitado também se revelava “no meio deles”. Isso significa que os discípulos formavam uma comunidade memorial na medida em que, unidos em comunhão fraterna pela causa do Mestre e fazendo o memorial das suas palavras e gestos, experimentavam-no claramente Com-Vivente, solidário, entre eles, de uma forma nova e ainda mais intensa.

Por fim, a experiência pascal que fizeram foi também confirmada pela mediação da Tradição Viva de Israel. Lendo retrospectivamente a sua história com Jesus e a história do seu povo, os discípulos chegaram à conclusão que aquela morte não era um absurdo. Pelo contrário, a lógica de Deus actuar ao longo das gerações fora manifestada em plenitude no Mestre de Nazaré. Por isso mesmo Deus o ressuscitou, assumiu, glorificou e o constituiu Messias. Agora compreendem isto: Jesus de Nazaré é o coração da Tradição Viva e da Escritura: Nele se cumpriram todas as promessas de Deus a Israel. Nele se inaugurou o Projecto Salvador de Deus para o seu Povo, anunciado desde o tempo dos patriarcas e profetas.

Os próprios Evangelhos apresentam-nos a clara sintonia entre a vida de Jesus e a Tradição:

«E começando por Moisés e continuando por todos os profetas, explicou-lhes o que se referia a ele em toda a Escritura.» (Lc 24,27)

«Não nos ardia o coração enquanto nos falava pelo caminho e nos explicava a Escritura?» (Lc 24,32)

«Hoje, em vossa presença cumpriu-se esta Escritura» (Lc 4,21)

«Quando ressuscitou da morte, os discípulos recordaram o que ele havia dito, e creram na Escritura e nas palavras de Jesus» (Jo 2,22)


S. Paulo foi ainda mais longe. Apesar de nunca ter tido uma vivência histórica com Jesus, isso não foi impedimento para fazer a experiência pascal. O Ressuscitado revelou-se a Paulo pelas mediações da comunidade memorial – primeiro a de Damasco e depois a de Antioquia –, e da Tradição Viva que conhecia tão bem a partir da Escritura. E foi especialmente esse conhecimento bíblico que constituiu para Paulo a porta principal de entrada para a Boa Notícia da Ressurreição.

Agora, relendo a Tradição à luz da ressurreição, Paulo abandona o antigo farisaísmo e afirma que em Jesus aconteceu algo maior do que a sua própria vida. Nele aconteceu algo que diz respeito a toda a história e não somente aos judeus. Pela Fé, toda a humanidade pode receber Nele a Vida de Deus. Todos os ritos antigos e a Lei judaica tornaram-se obsoletos porque Nele se constituiu uma Nova Aliança.


4. Da Tradição Viva à Escritura

Com o tempo a Tradição foi passando a ser redigida. A Escritura é a gravação desse Testemunho Vivo de Deus com o seu Povo em papiros e rolos. E como a Tradição foi sempre dinâmica e histórica, a Escritura foi sendo alargada, acrescentada, e retocada ao longo dos séculos. Foi assim que nasceu um conjunto de livros, escritos antes e depois de Jesus, a que hoje denominamos “bíblia”.

A bíblia não é propriamente um livro, mas uma biblioteca de 73 livros divididos em duas secções: 46 livros do Antigo Testamento e 27 livros do Novo Testamento. Como já vimos, Jesus está no seu centro. Ele é o ponto de chegada da Aliança do Sinai (Antigo Testamento), agora definitivamente renovada na sua ressurreição pelo Dom do Espírito que realiza a adopção filial da humanidade (Novo Testamento).

A bíblia não é Revelação de Deus no estado puro. Ela reúne géneros literários de vários autores, com sensibilidades e visões do mundo distintas. Se até repararmos bem, a bíblia nem sempre apresenta uma linguagem edificante; mas vem carregada de tentativas, ambiguidades, desilusões, fracassos, e limitações… tudo porque ela não é um ditado de Deus, mas somente inspirada. Nela vislumbramos um Deus que não tem pudor em dizer-se na nossa humanidade imperfeita e ainda em construção. Nela está patente a Revelação progressiva do Rosto de Deus em contextos delimitados por uma determinada cultura, época e circunstância. Então, como interpretá-la? Quais os critérios? Como re-descobrir nela o Deus de Jesus sem cairmos no risco da beatice ou da indiferença?



Com efeito, a bíblia só pode ser Revelação na medida que for uma mediação privilegiada do Deus-Palavra, do seu Amor, e do seu agir em nós. E isso acontece numa caminhada de Fé em comunidade memorial. Esse é o ponto de partida para começamos do princípio. Do princípio da História de Deus com este Povo. E se nos sintonizarmos nessas condições também faremos a mesma descoberta, a mesma experiência teologal de tantos homens e mulheres que nela intervieram. Também acontecerá connosco o Encontro provocado pela Escuta, a experiência pascal dos discípulos de Emaús com o coração a arder pela explicação das Escrituras, que continuam a reconhecer a Presença do Ressuscitado, que descobrem um Deus sempre novo, sempre mais belo e encantador.






A História de Deus-Connosco não terminou em Jesus.
Tu, eu, e nós somos convocados a viver um Projecto de Salvação
simultaneamente como destinatários e protagonistas.
Tu, eu e nós podemos ser Testemunho e Tradição Viva.
Tu, eu, e nós estamos talhados a ser Palavra, resposta,
e acção Salvadora de Deus no seio da humanidade.
Tu, eu e nós, a Caminho…


sábado, 10 de janeiro de 2009

Não te esqueças de Mim...







«Quando Israel era ainda menino, eu o amei,

e do Egipto chamei o meu filho.
Quanto mais os chamava, mais se afastavam de mim;
ofereciam sacrifícios a Baal
e queimavam oferendas aos ídolos.
Eu ensinei Efraim [Israel] a andar
e o tomei nos meus braços,

mas eles nem percebiam que era eu que cuidava deles.
Com laços de amor os atraía, com laços de carinho.
Fui para eles como quem levanta uma criancinha até ao rosto;
eu me inclinava e lhes dava de comer»
(Os 11,1-4)


«No deserto, já viste que o Senhor teu Deus
te levou como um filho por todo o caminho
até chegares aqui»
(Dt 1, 31)


«Guarda-te muito bem de não esquecer
os acontecimentos que teus olhos viram,
que não se afastem da tua memória enquanto viveres;
conta-os a teus filhos e netos»
(Dt 4,9)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O CAMINHO DA PALAVRA [1]



Espero que todos tenham entrado com o pé bem direito neste 2009! Durante o período do Natal e da passagem de ano não tive acesso à internet. Agora, um pouco á rasca com a época de exames, não posso mesmo escrever. Mas também não gostava de manter o blog parado. Por isso, nestes próximos dias, deixo aqui postado em duas partes o tema de apresentação que preparei para o encontro de Formação dos Jovens Redentoristas sobre a "Boa Notícia do Antigo Testamento".
É uma forma bonita de percebermos a grande diferença entre PALAVRA e ESCRITURA. De sabermos como se chegou à bíblia; e de entendermos que Jesus acontece como o culminar da continuidade duma História de fidelidade de Deus com o seu Povo...




1. Da Palavra à Tradição

Quando falamos da Palavra de Deus não estamos a designar propriamente a bíblia. Quando muito, ela pode ser medianeira da Palavra, e na pior das hipóteses reduz-se a letra morta gravada em papel com uma encadernação interessante. Portanto, ela nunca é Palavra, mas somente Escritura. A Palavra de Deus é algo bem diferente; não se limita à verbalização dos pensamentos divinos, a um código linguístico, ou um género literário, mas é o próprio Deus no seu jeito de ser, de Amar e de se revelar.

Deus não tem uma Palavra para nos dar. Se Deus é Amor então dá-se a si mesmo, oferece-se, entrega-se! Não há outras realidades, outras coisas, entre Ele e nós. Ele não “tem” nada para nos dar, senão aquilo que Ele é. Por isso, falar da Palavra de Deus é falar, antes de mais, do Deus-Palavra; da sua iniciativa amorosa, do seu jeito de se COMUNICAR, de se REVELAR, de ser DOM para nós.

Quando o Homem se pôs à ESCUTA, acolheu a Palavra, acolheu este Deus. Assim aconteceu o ENCONTRO de Deus com o Homem: O Deus-Palavra hospedou-se na sua intimidade, gerando nele uma convivência recíproca. E essa Escuta não foi resultado de um mero exercício de audição, mas duma abertura ao Deus-Palavra que aconteceu como experiência de encontro íntimo, de diálogo e relação. Para concretizar: houve um grupo de homens e mulheres que escutaram (abriram-se) à comunicação deste Deus-Palavra. E tal foi a intensidade desse Encontro que dele brotou um Povo. A Palavra congregou uma família e a reuniu numa identidade comum. A partir daí o Deus-Palavra revelou-se como o Deus da Reunião e da Aliança.


Esse Povo, o Povo de Israel, percebeu desde muito cedo que o Deus-Palavra ao comunicar intuições e apelos no seu coração, também lhes inspirava o desígnio de um mundo novo. Aí experimentaram que Deus, ao dizer-se, suscitava no seu seio mediadores contagiados pela ambição e a visão de realizar o Seu próprio Projecto de Salvação. Perceberam assim que o jeito de Deus dar-se era também o seu jeito de intervir nos acontecimentos e de agir. Por isso, encantam-se ao descobri-l’O como o Deus da História e da Promessa. Um Deus inquieto que “arregaça as mangas” e penetra na realidade do seu Povo, empenhando-se no que sonha e promete. Um Deus que convoca intermediários e líderes para colocar esse Povo em marcha; a Caminho desse Projecto de Amor que deseja para toda a humanidade.


À medida que Deus vai fazendo História com o seu Povo, este vai sentindo a necessidade de recordar a Sua lealdade e o Seu Amor: “Não esqueceremos o Deus que não se esquece de nós!”. Por isso é uma História contada, recontada, e acrescentada de geração em geração, como Testemunho de um Deus Fiel e libertador. Uma História convertida numa Tradição profundamente enraizada na vida e nas esperanças desse Povo: a Tradição Viva.


2. Jesus e a Tradição Viva

Tal era a densidade e a riqueza da Tradição de Israel, que foi mantida e transmitida ininterruptamente, permanecendo ainda muito viva no tempo de Jesus. Desde a sua infância na Galileia, Jesus cresceu num ambiente religioso muito próprio. Longe da exuberância do Templo de Jerusalém e dos seus sacrifícios, longe das normas complicadas dos fariseus e dos doutores da Lei da Judeia. Em Nazaré, mais do que o Deus zeloso pela ortodoxia da Lei, as gentes falavam de um Deus com coração: o que tomara partido dos fracos e oprimidos e, movido pela sua compaixão, até tinha operado prodígios e impossíveis em favor de um povo humilde e indefeso.

Do nascente ao poente todo o Judeu procurava viver enamorado de Deus quando orava: “Escuta Israel: o Senhor nosso Deus, é o único Senhor, O Senhor é Um. Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças”. Estas palavras, repetidas tantas vezes por seus pais e vizinhos, foram-se gravando profundamente no coração de Jesus.
Também não havia catequese nem manuais de “religião e moral”. Para aquele Povo, cuja esmagadora maioria não sabia ler nem escrever, a memória era fundamental. Por isso, a Tradição Viva do Deus de Israel transmitia-se mais oralmente do que por escrito. Os pais repetiam de memória aos filhos as palavras mais marcantes dos profetas e patriarcas. Os feitos maravilhosos de Deus eram narrados com gozo e emoção como poesia épica; evocados ao sábado nas leituras da sinagoga, nas festas, no trabalho caseiro, na lavoura, …enfim, respirava-se Deus em todo lado e momento.


Foi imerso neste ambiente que Jesus se tornou no Profeta do Reino. O Deus que ele proclamou não “caiu do Céu” como um cometa. É verdade que Jesus chegou mais longe que a Tradição. Nele se revelou em plenitude a face amorosa do Deus de Israel, porém essa revelação não começou com ele! Ainda que irrompessem de forma inesperada e surpreendente, os seus critérios do Reino de Deus já eram esperados desde há muito. Eram os mesmos anunciados nos Profetas, e prometidos por Deus desde os tempos antigos. Jesus jamais chegaria à relação íntima com o Abba se já não vivesse enraizado na Tradição, no Testamento de um Deus Justo, Fiel, Libertador, Amoroso, e Cheio de Compaixão.


Jesus não podia tornar-se Messias senão a partir da Tradição Viva (o Antigo Testamento) que o precedeu. Este homem, gerado no seio do resto fiel do povo eleito – e não da lógica corrupta dos sacerdotes e fariseus – já vinha sendo preparado ao longo da história de Israel, e foi-nos dado como presente de Deus, o fruto maduro que floresceu na plenitude dos Tempos.