quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

"OS TEUS PECADOS ESTÃO PERDOADOS" [1]


Neste período de quaresma, tempo de preparação para a Páscoa, não me ocorreu melhor ideia que tentar escrever um "hino" ao Perdão manifestado em Jesus, e à novidade libertadora do Reino de Deus. Algo que a mim continua a dizer-me imenso (muito mesmo!), e que hoje faço por partilhar neste espaço...



A proclamação do Perdão sempre fez parte do anúncio fundamental de Jesus. Constituía o primeiro grande sinal da presença do Reino de Deus e do tempo novo da Salvação.


Ele estava decidido a acabar com o maior de todos os pecados de Israel: a separação das pessoas em castas. Na base deste movimento de marginalidade social estava a concepção pervertida da Santidade de Yahvé. Em nome de Deus praticavam-se as maiores injustiças e aberrações humanas:

- Imposição de taxas sagradas a que os camponeses se viam forçados a oferecer para sustentar a rica classe sacerdotal. Muitas vezes a “obrigação sagrada” de pagar o dízimo ao Templo podia ameaçar os poucos recursos das famílias mais pobres.

- A exclusão automática dos enfermos graves (aleijados, leprosos, hemorrágicos…) de todo o contacto humano. Era uma ordem dos sacerdotes cuja desobediência podia incorrer na pena de morte. As doenças e enfermidades eram encaradas como estados de impureza que denunciavam a maldição de Deus e podiam contagiar os demais.

- O desprezo fomentado pelos fariseus em relação às gentes ignorantes das camadas sociais mais remotas. Constituíam famílias e comunidades de pessoas sem formação religiosa da Lei, e por isso também marginalizados como pecadores.

- A desumanidade diante das profissões impuras que instituíam os pecadores públicos: publicanos e prostitutas. Homens e mulheres pressionados para situações limite mais por força das circunstâncias, do que propriamente por escolha própria.




Aos olhos de Jesus, estes abandonados de Israel nunca são “pecadores” - somente usava essa designação para refutar as acusações dos fariseus e doutores da Lei. Segundo Jesus, estes marginais do seu tempo, são carinhosamente apelidados de «pequenos», os desprotegidos e oprimidos pelo impiedoso sistema social e religioso de Jerusalém.


Para os sacerdotes, fariseus, e doutores da Lei, o pecado era uma transgressão que exigia uma pena ou sacrifício. Confundiam o pecado com o pecador, onde por vezes a destruição do primeiro exigia a morte do segundo. Para Jesus não: o pecado é sempre uma doença que necessitava de cura. Por isso mata-se antes o pecado restaurando a saúde do pecador!


Não é que os líderes religiosos não acreditassem no Perdão. Porém, estes “homens santos” proclamavam o perdão dum “Deus de Santidade” separado do mundo e dos homens profanos. Segundo eles, o pecador purificava-se por um processo de penitência, jejuns, contrição e adesão à Lei e ao Culto, com a cessação prévia de quaisquer actividades impuras (cobrança de imposto romano, prostituição,…). Era um Perdão negociado que exigia sempre a iniciativa e aproximação do pecador, implorando a resposta clemente do “Deus Santo”.


Jesus desmonta totalmente esta concepção com uma Boa Notícia: O Perdão nunca é a resposta de Deus, mas antes a sua iniciativa! O Perdão é o Dom do Amor de Deus que destrói o pecado pela Sua proximidade com o pecador – nunca pela Sua separação – e antes de todo o arrependimento. Jesus proclamava com Autoridade: «os teus pecados estão perdoados!» Proclamava-o antes de qualquer disposição ou intenção de quem o escutava. Proclamava-o como uma ACÇÃO oferecida de antemão, gratuita, imerecida, e definitiva que só pedia abertura e o acolhimento na Fé:

«Não temas, somente tem Fé» (Mc 5,36)

«tudo é possível para aquele que crê» (Mc 9,23)

Diante de todo o Israel, Jesus anuncia pelo seu contacto com os excluídos e impuros que o Perdão de Deus é o sinal da Sua soberana Liberdade de amar. A santidade de Deus não depende das exigências de ritos e normas cultuais, mas manifesta-se agora como GRAÇA.


O Deus da Graça elegeu e libertou um bando de escravos do Egipto sem qualquer justificação, nem nenhum mérito precedente. Fez Aliança com eles, congregando-os como um povo simplesmente por causa da Sua Bondade. O Deus da Graça que sempre amparara o órfão e a viúva, é o mesmo que agora ousa “sujar-se”, e “misturar-se” com os impuros, excluídos e estrangeiros de Israel.

O escândalo de Jesus é manifestar um Deus que Jamais se “enoja” ou se ofende diante do nosso pecado. Pelo contrário, o pecado e suas consequências são razões mais fortes para que Deus ame ainda mais o pecador.


Um pecador encontrado, cuidado e reintegrado na sociedade valia muitíssimo mais aos olhos de Deus do que 99 fariseus observantes da Lei, 99 sacerdotes zelosos das oferendas sagradas, ou 99 homens de rectidão impecável: cada excluído valia por todo o Israel (Lc 15,7)! Cada um destes «pequeninos» com quem Jesus se cruzava tornava-se seu(ua) amigo(a), e irmão(ã) inseparável.


Seria então a Graça deste Deus ainda maior do que a sua Santidade?

Jesus revela muito mais: a única Santidade de Deus é a sua Misericórdia! Ele é Santo por causa do seu amor de predilecção, porque tem “entranhas de Mãe” (expressão hebraica que se traduz como rahamim)! É uma misericórdia nítida na imagem de um pai que não se ofende pelo filho exigir-lhe a herança ainda em vida (Lc 15,11); ou pelo mesmo pai que corre como um velho tonto, sem nenhum pudor pela figura austera e patriarcal, escandalosamente abraçando e cobrindo de beijos o seu “filho impuro” (Lc 15,20).


O anúncio extraordinário deste Perdão ia muito para além das palavras, porque sucedia como uma experiência íntima sem paralelo, provocada pelo encontro face a face com Jesus. Os «pequenos» procuravam nele uma acção terapêutica, não para encontrar remédios, mezinhas ou receitas de curandeiro, mas porque reconheciam naquele homem alguém habitado pelo Espírito de Deus, alguém cuja terapia era ele mesmo! E eles sabiam-no tão bem:


Sabiam como Jesus contagiava neles saúde, alegria e vida;
Animados pela ternura e o tremendo afecto dos seus gestos, sentiam a força libertadora do seu toque pelo modo como os tomava pela mão, abençoava, e abraçava;
sabiam agora que eram dignos de ser amados,
como autênticos filhos de Israel;
preciosos aos olhos de Deus;
queridos, especiais,
válidos…

Sim, eles sabiam…

Sabiam que com o Mestre de Nazaré o Perdão ocorria sempre como o irromper de um fascino surpreendente e uma alegria inesperada.

Muitos deles testemunhavam com euforia desconcertante como se sentiam curados, sarados das lepras da exclusão e dos fardos da culpa. Agradeciam e louvavam pelo modo como aquele Galileu despertara-lhes a confiança em si próprios; da forma como activara neles energias internas e forças psíquicas para superarem os seus bloqueios e medos.


Em Jesus experimentavam um Deus inesperado, e tão diferente das tantas máscaras que desfiguravam o Seu Rosto Salvador…

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

“Um homem descia de Jerusalém para Jericó...”




«As parábolas não servem para ilustrar um ponto de vista. São acontecimentos fortes que nos mudam. Mudam as nossas vidas virando-as do avesso.


Um rabi judeu contou a seguinte história passada com o seu avô nos tempos em que este fora aluno do famoso Rabi Baal Shem Tov. E disse:
«O meu avô estava paralítico há muitos anos. Um dia pediram-lhe que contasse uma história do seu professor e ele contou como o santo Baal Shem Tov costumava saltar e dançar durante a oração. Ao contar a história, entusiasmou-se de tal modo que se pôs de pé e começou a saltar e a dançar para mostrar como o mestre fazia. A partir daí, ficou curado. É assim que se devem contar histórias.»


As parábolas de Jesus deviam despertar-nos e arrebatar-nos. Encontramo-nos envolvidos nos seus dramas e elas transformam-nos. Jesus normalmente fazia isto porque conseguia chocar as pessoas. O problema é que conhecemos tão bem as parábolas que já raramente elas nos surpreendem. É como ouvir uma anedota quando já se lhe conhece a piada. Temos de redescobrir o sentido da surpresa.
A parábola do Bom Samaritano escandalizou os que primeiro a ouviram. Precisamos de redescobrir o sentido do choque.

Durante a revolução na Nicarágua, um dominicano americano ajudou um grupo de jovens nicaraguanos a representar a parábola do Bom Samaritano durante a Missa. Representaram um jovem nicaraguano a ser espancado e abandonado meio morto na beira do caminho. Um frade dominicano passou por ali e continuou o seu caminho sem fazer caso dele. A seguir, passou um dos inimigos, um ‘Contra’, trajando o uniforme militar. Parou, pôs-lhe um rosário ao pescoço, deu-lhe água e levou-o até à aldeia mais próxima. Nesta altura, metade da assembleia reagiu começando a gritar e a protestar. Era inaceitável que um Contra pudesse agir desta forma. "São pessoas horríveis e nada temos a ver com eles". A Missa interrompeu-se no meio do caos.


Depois, as pessoas começaram a discutir o significado da parábola. Porque tinham ficado chocadas, conseguiram compreendê-la mais profundamente. Concordaram que no futuro não se refeririam mais aos outros como ‘os Contras’ mas como ‘os nossos primos das Honduras’ ou ‘os nossos primos que estão no erro’... Voltaram a fazer o rito inicial da confissão dos pecados, deram uns aos outros o abraço da paz, e continuaram a celebração da Eucaristia. É assim que nos deveríamos sentir chocados.


O caminho

A história conta-nos uma viagem de Jerusalém até Jericó. Eu fiz essa viagem a pé, descendo a Wadi Quelt. São cerca de 24 Km, através de uma região de deserto rochoso. Fazia tanto calor que um dos meus companheiros ficou um pouco transtornado da cabeça. Mas a história em causa trata de uma viagem mais profunda. A palavra que Lucas emprega para “viagem” é a mesma (hodos) que emprega para fé cristã, “o Caminho”. A parábola é um caminho que transforma a nossa compreensão de Deus e do ser humano.



Qual destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões ?

O doutor da lei pergunta: “Quem é o meu próximo?” E no fim, Jesus coloca uma questão diferente: “Qual dos três mostrou ser o próximo do homem que caiu nas mãos dos ladrões?” A pergunta do doutor põe-no a ele no centro. Quem é o seu próximo? Mas a parábola transforma a pergunta: é o homem maltratado que é, agora, o centro. Quem foi o próximo dele?


Viagem radical

A viagem mais radical que cada ser humano tem de fazer é a da libertação do egoísmo. Começamos esta viagem quando ainda bebés. O bebé recém-nascido é o centro do seu próprio mundo. Crescer é a lenta descoberta de que outros existem e que não existem só para fazer a vontade dele. Por trás do seio há uma mãe. Tornamo-nos plenamente humanos na medida em que aprendemos a ceder o centro a outros.

Para cada um de nós, pois, o maior desafio da vida é deixar de ser o centro do mundo. É uma verdade que se conhece intelectualmente, mas que é muito difícil de praticar. E penso que é particularmente difícil na sociedade contemporânea. A modernidade consagrou a imagem do ser humano como essencialmente solitário, desapegado dos outros, livre de obrigações, descomprometido.



Um Samaritano, ao passar, viu o homem ferido e ao vê-lo teve compaixão

A palavra que traduzimos por “ter compaixão” é uma das mais importantes do Novo Testamento. Significa ser tocado no âmago do próprio ser, nas próprias entranhas. É o choque que nos dá a consciência da presença de um outro.

Em Nova Iorque, foi feita uma experiência com um grupo de seminaristas. No programa de formação para a pregação, pediu-se-lhes que preparassem uma homilia sobre a parábola do Bom Samaritano. Deviam preparar os seus textos e em seguida dirigir-se a pé para o estúdio onde o sermão seria gravado em vídeo. Em certo ponto desse percurso, um actor, representando um homem ferido e maltratado, jazia por terra, coberto de sangue, pedindo ajuda. Oitenta por cento dos seminaristas passaram por ele e nem sequer o viram. Tinham estudado a parábola e feito sobre ela belas composições literárias e, no entanto, passaram ignorando-o. Que teremos de fazer para nos abrirmos aos outros ?



Correr o risco...

A compaixão do Samaritano transtorna os seus planos. Preparara-se para a viagem com comida, bebida e dinheiro. No entanto, usa tudo isso para um fim que não tinha imaginado. Dois denários era muito dinheiro, o suficiente para pagar mais de três semanas de estadia com pensão completa. Dá mesmo o que não tem, o que contava vir a ganhar em Jericó. Arrisca fazer uma promessa em aberto que não sabe onde o levará.


Quando o doutor da lei pergunta: “Quem é o meu próximo?” o que ele pretende é definir as suas obrigações. Quer saber com antecedência o que precisa ou não fazer. Mas a resposta do Samaritano leva-o para um terreno desconhecido. Não pode saber quanto o estalajadeiro vai pedir.


Há um velho ditado que diz: “Se queres fazer rir Deus, conta-lhe os teus planos.”





A verdadeira compaixão transtorna os nosso planos, e lança-nos no imprevisto.»



Timothy Radcliffe, op "A CAMINHO DE JERICÓ"




sábado, 14 de fevereiro de 2009

Liturgia - 6º Domingo, Tempo Comum


Depois de algum tempo de ausência neste blog, hoje gostava de partilhar aqui a introdução e a oração dos fieis da nossa eucaristia de Gaia. Umas vezes é o meu irmão Rui Pedro que prepara, hoje a tarefa tocou-me a mim. Posto-a aqui para juntos celebramos a alegria e a vivência comum da Fé. Até breve...


Introdução

Irmãos

Hoje estamos reunidos para celebrar o tempo favorável; o tempo da Alegria e da Salvação permanente dado em Jesus Ressuscitado. Já não há barreiras, medos, ou obstáculos. Já não há separação entre puros e impuros, porque TODOS fomos santificados, curados, purificados e revestidos do Homem Novo pelo Baptismo no Espírito.
Somos um Corpo Vivo com Jesus de Nazaré porque ele já nos tocou. Já limpou as lepras que nos separavam e nos oprimiam. Por isso, com ele, formamos um Só Corpo: Santo, Saudável, Vivo e glorioso!
Eis a grande Notícia: somos SANTOS. Não pelos méritos que acumulamos, ou por alguma coisa que fizemos, …mas por pura Graça daquele que continua a estender-nos a mão, a convidar-nos à Mesa do Banquete do Reino, e a realizar a comunhão fraterna dos Salvos.




Oração dos Fieis


Pai Santo:
Ajuda-nos a experimentar a alegria de vivermos como salvos. Ensina-nos, Pai, a permanecermos fiéis à Graça do nosso Baptismo, e respondermos ao Teu Projecto duma Humanidade Nova e curada na comunhão com Jesus
Oremos Irmãos

Pai Santo:
Desejamos ser Felizes na dependência do teu Amor e no Perdão fraterno. Abre-nos à urgência da comunhão com aqueles que estão longe, e ainda não conheceram a proximidade de irmãos. Enche o nosso coração da tua compaixão, Pai Santo, para que sejamos sinal visível e eficaz da tua Misericórdia
Oremos Irmãos

Pai Santo:
Pedimos-te pelos tristes, os amaldiçoados e todos quantos carregam as feridas da incompreensão e da intolerância. Ajuda-nos, Pai Santo, a exercermos o ministério da Reconciliação, e sermos mediação de Jesus Ressuscitado, a Árvore da Vida cujas folhas curam toda a humanidade
Oremos Irmãos