terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O CAMINHO DA PALAVRA [1]



Espero que todos tenham entrado com o pé bem direito neste 2009! Durante o período do Natal e da passagem de ano não tive acesso à internet. Agora, um pouco á rasca com a época de exames, não posso mesmo escrever. Mas também não gostava de manter o blog parado. Por isso, nestes próximos dias, deixo aqui postado em duas partes o tema de apresentação que preparei para o encontro de Formação dos Jovens Redentoristas sobre a "Boa Notícia do Antigo Testamento".
É uma forma bonita de percebermos a grande diferença entre PALAVRA e ESCRITURA. De sabermos como se chegou à bíblia; e de entendermos que Jesus acontece como o culminar da continuidade duma História de fidelidade de Deus com o seu Povo...




1. Da Palavra à Tradição

Quando falamos da Palavra de Deus não estamos a designar propriamente a bíblia. Quando muito, ela pode ser medianeira da Palavra, e na pior das hipóteses reduz-se a letra morta gravada em papel com uma encadernação interessante. Portanto, ela nunca é Palavra, mas somente Escritura. A Palavra de Deus é algo bem diferente; não se limita à verbalização dos pensamentos divinos, a um código linguístico, ou um género literário, mas é o próprio Deus no seu jeito de ser, de Amar e de se revelar.

Deus não tem uma Palavra para nos dar. Se Deus é Amor então dá-se a si mesmo, oferece-se, entrega-se! Não há outras realidades, outras coisas, entre Ele e nós. Ele não “tem” nada para nos dar, senão aquilo que Ele é. Por isso, falar da Palavra de Deus é falar, antes de mais, do Deus-Palavra; da sua iniciativa amorosa, do seu jeito de se COMUNICAR, de se REVELAR, de ser DOM para nós.

Quando o Homem se pôs à ESCUTA, acolheu a Palavra, acolheu este Deus. Assim aconteceu o ENCONTRO de Deus com o Homem: O Deus-Palavra hospedou-se na sua intimidade, gerando nele uma convivência recíproca. E essa Escuta não foi resultado de um mero exercício de audição, mas duma abertura ao Deus-Palavra que aconteceu como experiência de encontro íntimo, de diálogo e relação. Para concretizar: houve um grupo de homens e mulheres que escutaram (abriram-se) à comunicação deste Deus-Palavra. E tal foi a intensidade desse Encontro que dele brotou um Povo. A Palavra congregou uma família e a reuniu numa identidade comum. A partir daí o Deus-Palavra revelou-se como o Deus da Reunião e da Aliança.


Esse Povo, o Povo de Israel, percebeu desde muito cedo que o Deus-Palavra ao comunicar intuições e apelos no seu coração, também lhes inspirava o desígnio de um mundo novo. Aí experimentaram que Deus, ao dizer-se, suscitava no seu seio mediadores contagiados pela ambição e a visão de realizar o Seu próprio Projecto de Salvação. Perceberam assim que o jeito de Deus dar-se era também o seu jeito de intervir nos acontecimentos e de agir. Por isso, encantam-se ao descobri-l’O como o Deus da História e da Promessa. Um Deus inquieto que “arregaça as mangas” e penetra na realidade do seu Povo, empenhando-se no que sonha e promete. Um Deus que convoca intermediários e líderes para colocar esse Povo em marcha; a Caminho desse Projecto de Amor que deseja para toda a humanidade.


À medida que Deus vai fazendo História com o seu Povo, este vai sentindo a necessidade de recordar a Sua lealdade e o Seu Amor: “Não esqueceremos o Deus que não se esquece de nós!”. Por isso é uma História contada, recontada, e acrescentada de geração em geração, como Testemunho de um Deus Fiel e libertador. Uma História convertida numa Tradição profundamente enraizada na vida e nas esperanças desse Povo: a Tradição Viva.


2. Jesus e a Tradição Viva

Tal era a densidade e a riqueza da Tradição de Israel, que foi mantida e transmitida ininterruptamente, permanecendo ainda muito viva no tempo de Jesus. Desde a sua infância na Galileia, Jesus cresceu num ambiente religioso muito próprio. Longe da exuberância do Templo de Jerusalém e dos seus sacrifícios, longe das normas complicadas dos fariseus e dos doutores da Lei da Judeia. Em Nazaré, mais do que o Deus zeloso pela ortodoxia da Lei, as gentes falavam de um Deus com coração: o que tomara partido dos fracos e oprimidos e, movido pela sua compaixão, até tinha operado prodígios e impossíveis em favor de um povo humilde e indefeso.

Do nascente ao poente todo o Judeu procurava viver enamorado de Deus quando orava: “Escuta Israel: o Senhor nosso Deus, é o único Senhor, O Senhor é Um. Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças”. Estas palavras, repetidas tantas vezes por seus pais e vizinhos, foram-se gravando profundamente no coração de Jesus.
Também não havia catequese nem manuais de “religião e moral”. Para aquele Povo, cuja esmagadora maioria não sabia ler nem escrever, a memória era fundamental. Por isso, a Tradição Viva do Deus de Israel transmitia-se mais oralmente do que por escrito. Os pais repetiam de memória aos filhos as palavras mais marcantes dos profetas e patriarcas. Os feitos maravilhosos de Deus eram narrados com gozo e emoção como poesia épica; evocados ao sábado nas leituras da sinagoga, nas festas, no trabalho caseiro, na lavoura, …enfim, respirava-se Deus em todo lado e momento.


Foi imerso neste ambiente que Jesus se tornou no Profeta do Reino. O Deus que ele proclamou não “caiu do Céu” como um cometa. É verdade que Jesus chegou mais longe que a Tradição. Nele se revelou em plenitude a face amorosa do Deus de Israel, porém essa revelação não começou com ele! Ainda que irrompessem de forma inesperada e surpreendente, os seus critérios do Reino de Deus já eram esperados desde há muito. Eram os mesmos anunciados nos Profetas, e prometidos por Deus desde os tempos antigos. Jesus jamais chegaria à relação íntima com o Abba se já não vivesse enraizado na Tradição, no Testamento de um Deus Justo, Fiel, Libertador, Amoroso, e Cheio de Compaixão.


Jesus não podia tornar-se Messias senão a partir da Tradição Viva (o Antigo Testamento) que o precedeu. Este homem, gerado no seio do resto fiel do povo eleito – e não da lógica corrupta dos sacerdotes e fariseus – já vinha sendo preparado ao longo da história de Israel, e foi-nos dado como presente de Deus, o fruto maduro que floresceu na plenitude dos Tempos.

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá Gustavo!
Já há algum tempo que vinha buscando água fresca nesta nascente de qualidade.
Obrigado pela maneira profunda como apresentas esta transição da Palavra para a tradição que vai culminar no património das Escrituras.
Um abraço amigo

Anónimo disse...

Admiramos a seriedade com que é tratado tudo que se refere aos jovens redentoristas! que sorte a deles! ...e a nossa , dos "velhinhos caquéticos", que vamos podendo, de modo variado acompanhar todo o seu crescer e amadurecer...nos conhecimentos...na Fé e na relação com todo o Amor...O Futuro agradecerá!
Estuda muito, pá! Quanto mais souberes, melhor para todos nós! Egoistas! Interesseiros! Abraço!

BLOG DO PHD CURSO LIVRE disse...

OLÁ VI SEU BLOG, COPIEI UMA FOTO PARA ILUSTRAR UMA POSTAGEM E FIQUEI CONTENTE EM CONHECERSEU TRABALHO. DEUS TE ABENÇOE

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