quarta-feira, 12 de novembro de 2008

JESUS, O REINO, E A IGREJA


Enquanto não vem o próximo post, gostaria de partilhar convosco uma das minhas leituras. Este fragmento de texto vem ao encontro da origem e fundamento da Igreja, que é precisamente o tema que tenho vindo a expor. Por isso não podia deixar de passar este pequeno testemunho do Padre Anselmo Borges.




A prova de que Jesus não fundou nem quis fundar uma Igreja enquanto instituição é que ele viveu no horizonte da escatologia apocalítica, portanto, na convicção da irrupção iminente do Reino de Deus. Agora, quando irromper o Reino de Deus, Deus mesmo vai reinar sobre o seu povo, porque o Reino de Deus é o próprio Deus. Deus vai transformar radicalmente a história de imediato, levando à consumação plena e final a sua obra da Criação. Do ponto de vista histórico há hoje consenso em que Jesus esperou o fim iminente e a transformação radical da presente situação do mundo. (…)


Depois da ressurreição, os discípulos, que após a morte de Jesus na Cruz se dispersaram, voltando às suas tarefas normais, reuniram-se outra vez em Jerusalém e foram formando comunidades congregadas pela fé em que esse Jesus, o Messias de Deus, voltaria em breve para instaurar o Reino de Deus. Portanto, também as primeiras comunidades cristãs viveram dessa profecia, dessa fé e dessa esperança da chegada iminente do Reino de Deus. (…)


Não há duvida que as comunidades de São Paulo se legitimaram democrático-carismaticamente. Como é um facto que as primeiras comunidades cristãs se reuniam em casas particulares e celebravam a Eucaristia – o banquete do amor e testemunho da verdade até ao fim – recordando a última Ceia e as várias refeições de Jesus, e quem presidia era o dono ou dona da casa. Isto significa que todos os ministérios da Igreja actual, nomeadamente o ministério episcopal e o ministério sacerdotal, não foram criados por Jesus, mas pela Igreja. Como escreve Hans Küng, dado o adiamento da Segunda vinda de Jesus, foi por motivos práticos que se impôs mais tarde uma “hierarquia”, uma “hierarquia ministerial”, composta por bispo, presbíteros e diáconos.


Mas a partir dos documentos do Novo Testamento, não se pode falar de uma “instituição” desta hierarquia ministerial e ordenada por Cristo ou os Apóstolos. Por isso, “apesar de toda a ideologia eclesiástica”, também não se pode afirmar que essa hierarquia seja “imutável”. Ela é “resultado”- talvez inevitável – de “um desenvolvimento histórico”, de tal modo que, embora a Igreja possa ser assim organizada, “não tem que sê-lo”.


Portanto, a Igreja dispõe dos ministérios livremente. Pode mantê-los, aboli-los, mudá-los. Nisto, o princípio tem de ser: não é a comunidade que tem de orientar-se pelas necessidades do ministério, mas o ministério pelas necessidades da comunidade. Os ministérios existem para a comunidade, não a comunidade para os ministérios. Assim, mesmo para presidir à Eucaristia, o pressuposto não tem de ser forçosamente uma ordenação sacra, pois é suficiente uma missão, que poderá ser temporária e conferida a um homem ou a uma mulher, casados ou não.”


Anselmo Borges, “Religião - Opressão ou Libertação?”, p.157-158.

3 comentários:

Anónimo disse...

Num outro escrito, o pe Anselmo Borges diz o seguinte, que eu acho que completa muito bem o texto que escolheste:"Autênticas comunidades cristãs, têm que assentar em 3 pilares:- Fé viva e capaz de dar razões, prática do Amor e da Justiça, celebrações belas a fortalecer a vida e a fé e a dar horizonte de sentido último à existência. A Igreja só pode ter futuro, cumprindo o núcleo da sua missão: manter a pergunta acesa e activa a compaixão".
Essas comunidades de vida cristã suscitarão, sempre, as vocações necessárias para o seu serviço e para a Evangelização, "descendo o monte"...e o ser homem ou mulher, casado ou celibatário não será relevante...
Pois, como diz o prof Eduardo Lourenço "uma Igreja que se refugia em coisas arcaizantes que têm efeitos éticos e sociais deploráveis, não sei se está condenada a morrer, mas está de certo condenada a transformar-se".

Anónimo disse...

Num outro escrito, o pe Anselmo Borges diz o seguinte, que eu acho que completa muito bem o texto que escolheste:"Autênticas comunidades cristãs, têm que assentar em 3 pilares:- Fé viva e capaz de dar razões, prática do Amor e da Justiça, celebrações belas a fortalecer a vida e a fé e a dar horizonte de sentido último à existência. A Igreja só pode ter futuro, cumprindo o núcleo da sua missão: manter a pergunta acesa e activa a compaixão".
Essas comunidades de vida cristã suscitarão, sempre, as vocações necessárias para o seu serviço e para a Evangelização, "descendo o monte"...e o ser homem ou mulher, casado ou celibatário não será relevante...
Pois, como diz o prof Eduardo Lourenço "uma Igreja que se refugia em coisas arcaizantes que têm efeitos éticos e sociais deploráveis, não sei se está condenada a morrer, mas está de certo condenada a transformar-se".

Gustavo Sousa disse...

Sim, Gloria

A comunidade é o fundamento da Igreja, senão mesmo a sua única definição. Aquelas e aqueles que a constituem prestam um serviço precioso à humanidade, um serviço que depende somente das qualidades de cada um e da sua capacidade de dar e receber.

Obrigado pela tua partilha