terça-feira, 4 de novembro de 2008

DOS NAZARENOS AOS CRISTÃOS [5]


- De Damasco a Jerusalém –


O caminho que conduziu Saulo ao Paulo que conhecemos hoje foi fruto do ambiente que se respirava naqueles tempos e sobretudo das mediações excepcionais que recebeu. O seu processo de amadurecimento estava longe de terminar, e a fuga para a Arábia marcara somente a primeira etapa do “atleta de Cristo” (Flp 3,14).

Decorria o ano 39…

Saulo após algum tempo, e com a garantia dum clima favorável ao seu regresso, retorna a Damasco e reencontra-se com a comunidade que jamais esquecera. Dirigindo-se com eles ao lugar onde se reuniam, celebram novamente juntos a fracção do pão. E aí, no memorial da vida do Mestre, o jovem de Tarso dá graças por agora tomar parte nela, por partilhar o melhor de si, pronto a dar-se pela causa do Reino. Saulo estava preparado para o próximo passo, envolvido e comprometido por inteiro na vida renovada que recebera das mãos dos seus compatriotas, os helenistas damascenos.


Por eles conhecera e reconhecera o seu Vivente, o seu amado. Agora não existiam mais os véus ritualistas, a miopia das minúcias normativas, ou as escamas obscuras do nacionalismo. Ele via claramente e tocava realmente o ressuscitado na proximidade íntima e fraternal daquela comum-unidade, com a consciência de sentir-se também pertença do Cristo, seu discípulo fiel, seu mensageiro. A missão de Saulo inaugurava-se aqui, e no seio daquela nova irmandade escutava a voz do Mestre que lhe sussurrava:
“Segue-me! Persegue-me agora por Amor”…



Decidindo permanecer na cidade por mais algum tempo, a comunidade incumbe-lhe a tarefa do ensino nas sinagogas. Logo desde muito cedo, ao observarem-no em missão, os irmãos de Damasco vão-se dando conta que nele havia um karisma especial. A sua Fé, paixão e anúncio conferiam-lhe uma autoridade fora do comum. Muitos até eram unânimes em reconhecer no Kerygma de Saulo uma novidade: a eloquência, coerência, e sobretudo o conhecimento das Escrituras, impressionava tanto judeus como gregos até ao ponto de alguns deles aderirem ao Euangelion. Em pouco tempo Saulo converteu-se numa revelação que ganhou fama além de Damasco.


As notícias não paravam de correr pela Palestina. Á comunidade de Jerusalém e a outras próximas chegavam novas: “aquele que antes nos perseguia, agora anuncia a Boa Notícia da fé que antes tentava destruir”(Gal1,23). Era certamente uma notícia invulgar, e ainda que recebida por alguns com incredulidade, estava todavia carregada de esperança. Era acima de tudo uma notícia densa de Boa Novidade para aquelas comunidades da Judeia e da Galileia, oprimidas tantas vezes pela incompreensão e intolerância dos outros judeus.


Que impacto seria, escutar que Saulo “o terrível fariseu e inquisidor de Jerusalém” convertera-se em nazareno. É certo que alguns talvez ainda guardassem a vivida memória da sua perseguição, os seus interrogatórios, invectivas e ameaças. É certo que alguns tinham experimentado até a condenação de familiares pelas suas mãos. Porém, os sinais do Reino que Saulo operava em Damasco iam diminuindo as hipóteses de dúvida, e provavelmente, um pouco por toda a Palestina, as comunidades celebravam o memorial da fracção do pão com este espírito de comunhão e encanto:


“Nós te Louvamos e bendizemos Deus da Promessa e da Aliança! Agradecemos-Te, querido Abba, o Dom da Vida de Yeshu, nosso Meshiah [Messias] e Salvador…nosso amigo…nosso Irmão! A sua fidelidade superou todas as esperanças até ele se revelar como Novidade messiânica! Novidade que não cessa de acontecer na nossa história, e na vida do nosso povo, Israel, e por isso exultamos de alegria pela Boa Notícia de nosso novo irmão Saulo: outrora fariseu que nos perseguia agora foi alcançado pelo teu e pelo nosso ressuscitado! Sim Abba, somos felizes porque Saulo encontrou-te e reconheceu-te no rosto do nosso amado Yeshu de Nazaré!
Por este querido irmão nos consagramos, para que ele, agora fortalecido, anuncie aos nossos compatriotas e com todo o desassombro a Boa Notícia do Reino, esperado desde a criação do mundo, anunciada a David, e proclamada pela boca dos profetas. Estamos todos com ele, o nosso Saulo, unidos no mesmo amor e fraternidade do Mestre, e com ele esperamos a vinda definitiva do teu Reino!”


Entretanto, em meados de 42, o jovem de Tarso sente-se agora decidido a subir a Jerusalém, quem sabe, curioso por conhecer a primeira comunidade da Via do Senhor e nela dar o testemunho pessoal da sua conversão. Talvez estivesse igualmente ansioso por saber como foi a experiência pascal dos primeiros discípulos. Sobre todos os motivos possíveis, havia porém uma certeza naquela decisão: a paixão de Saulo pelo seu ressuscitado fazia-o mover-se, caminhar, até correr para o anunciar aonde fosse preciso. Não podia parar, e a cidade de Damasco agora tornara-se demasiado pequena para proclamar o kerygma do Vivente de Nazaré, o Cristo.


Chegado a Jerusalém encontra-se com Pedro e Tiago e lá permanece por quinze dias (Gal1,18-20). Tiago, também conhecido como "Irmão de Jesus", não era nenhum dos doze mas alguém de relevo naquela comunidade, mais um dos que tinham feito a experiência pascal com o Vivente de Nazaré. Saulo reúne-se com Pedro escutando com fascínio os seus episódios da vida comum com Jesus, o modo como os seus olhos se abriram ao reler as Escrituras, e a partir daí como ele e os seus companheiros em reunião, tinham vivido o primeiro encontro com ele. Jesus afinal estava Vivo, com eles, presente de forma nova, vitoriosa e plena; Saulo agora saboreava como tudo tinha mudado a partir dali, e tal como antes, não tinha dúvidas: a ressurreição era o núcleo da Boa Nova do Reino, da nova ordem iniciada por um Vivente e Messias, o Cristo, permanentemente re-suscitado a partilhar tudo o que recebera do Abba aos seus irmãos e discípulos.


Saulo saboreava esse testemunho de Pedro com exultação, porque ele mesmo experimentara-o também na carne! Experimentara que a visão do ressucitado tinha como ponto de partida todas as promessas das Escrituras, e como ponto de chegada a certeza de que a sua presença permanente não era individual, mas confirmava-se na derradeira proximidade da Philadelphia (amor entre irmãos) com o Dom do Espírito. Assim testemunharia mais tarde aos Coríntios:


“Antes de tudo, transmito-vos aquilo que eu mesmo recebi: que Cristo morreu por nossos pecados segundo as Escrituras, e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras, apareceu a Cefas, e depois aos doze; a seguir, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez (…); em seguida, apareceu a Tiago e depois a todos os apóstolos. Por último apareceu a mim, …” (Cor 15,3-8)


Enfim, agora Saulo partia de Jerusalém, feliz pelos testemunhos de Pedro e Tiago. Confirmara-os pelo testemunho da sua conversão, e ao mesmo tempo, também saía confirmado por eles na sua missão, como verdadeiro irmão de Yeshu, discípulo que também o vira e reconhecera. E nesta alegria serena, Saulo decide regressar à sua cidade natal a fim de lá também anunciar o Euangelion.


Lá, em Tarso, não tardaria a receber uma visita de alguém que mudaria o rumo da sua história, e o haveria de preparar como futuro apóstolo dos gentios

1 comentário:

Anónimo disse...

Bom dia Gustavo=)
E não pus o sorriso ao acaso, é mesmo como estou agora.
Está a saber-me muito bem estar a fazer esta caminhada, como está a ser bom perceber como é que a Boa Noticia chegou até nós.
Obrigada pela tua mediação Gustavo. É bom aprender a ler a nossa história com pessoas apaixonadas como tu.
A ti Papá, nem sei como agradecer tudo o que me dás. Eles nunca tiveram sozinhos, nem Saulo, e tenho cada vez mais a certeza de que nós tambem não estamos. Estamos em ti, e numa comum-unidade linda=)
Fico à espera de saber o que aconteceu em Tarso=)

Abraço em todos no Amor do Pai