terça-feira, 18 de novembro de 2008

DOS NAZARENOS AOS CRISTÃOS[7]



- Primeiros e últimos -


As semanas que se seguiram após a partida de Antioquia da Síria foram intensas…

Saulo e Barnabé assumiam a missão de enviados (apóstolos) pelos judeo-cristãos antioquenos para fecundarem a semente da Boa Notícia por todo o Império e até onde os pés os levassem. Confiavam que o Espírito do Vivente acompanhava-os, investindo-os com a dynamis (força) para abrir uma nova página na história do seu povo, e quem sabe, também de outras nações…


Descem primeiro à região da Selêucia na costa mediterrânica, navegando depois para a ilha de Chipre, terra natal de Barnabé. Chegando à cidade de Salamina, ficam lá por algum tempo com a comunidade recentemente formada, e anunciam nas outras sinagogas judaicas a Boa Notícia da chegada do Cristo-Messias e a instauração definitiva do seu Reino, prometido a Israel desde os patriarcas. A sua proclamação naquela região já era tão célebre que eles, chegando a Pafos, despertaram não só a curiosidade de muitos judeus, como também de alguns cidadãos romanos. Entre estes destacava-se o governador Sérgio Paulo que imediatamente os chamou pessoalmente para escutar a Boa Nova acerca de Jesus. Este “acreditou, maravilhado com o ensinamento do Senhor” (Act13,12).
E é ali mesmo, em Pafos, que pela primeira vez o nome de Saulo é traduzido na língua latina por Paulinus (Paulo).


Nas sinagogas que passavam, os dois tinham sempre o cuidado de colaborar mutuamente, deixando um testemunho de unidade e comunhão em cada vez mais comunidades que formavam entre os judeus. Talvez Barnabé fizesse um primeiro anúncio, deixando a Saulo (Paulo), rabino de formação, a tarefa delicada de justificar pelas Escrituras este Messias tão surpreendente e tão diferente de tudo o que os seus compatriotas esperavam. Para alegria de Barnabé, Paulo revelava como era digno da fama que recebera desde Damasco, tomando progressivamente a dianteira na proclamação da ressurreição do Nazareno.

Mais tarde partem de Chipre em direcção a ocidente e desembarcam em Perge, na costa norte do mediterrâneo. Daí percorrem mais de duzentos quilómetros até chegarem finalmente à grande cidade de Antioquia, situada na zona fronteiriça da Pisídia (actual Turquia). Naquela metrópole estava prestes a ocorrer um incidente que traria um novo impulso ao movimento da Boa Notícia de Jesus…


Num dia de sábado, os dois companheiros dirigem-se a uma das mais frequentadas sinagogas da cidade. A seguir às leituras dos textos da Torah e dos profetas, o chefe da sinagoga convoca solenemente um dos irmãos presentes para comentar a Palavra escutada. Paulo entretanto toma a iniciativa e, levantando-se do meio da assembleia, começa a proclamar a ressurreição de Jesus. Como era hábito, instala-se o alvoroço. Entre a assembleia havia judeus que aderiam à Boa Notícia, como os outros, que indignavam-se, rejeitando-a imediatamente por pôr em causa as tradições. Apesar de tudo, a maioria dos que se encontravam na sinagoga aceitaram com agrado aquela Notícia inédita. Tal foi o aparente “sucesso” do kerygma de Paulo, que à saída muitos pediam a ambos que continuassem a ensinar sobre Jesus no sábado seguinte.
Todavia naquele dia, a sinagoga recebia também um outro grupo, mais oculto e restrito, para quem o euangelion constituía certamente uma Novidade ainda maior.


Naquela cidade, como em tantas outras da diáspora, abundavam não poucos pagãos atraídos pelas “virtudes” e os ensinamentos do monoteísmo judaico. A maior parte deles concentrava-se nas entradas das sinagogas aos sábados; muitos homens em particular, apesar de iniciados nalguns rituais judaicos, ainda lhes faltava dar o último passo para entrarem como membros plenos no judaísmo: a circuncisão. Contudo, poucos eram os que na idade adulta aceitavam submeter-se a esse estigma físico. Por isso, ainda que interessados por escutarem a doutrina da Lei e dos profetas, estes “prosélitos” permaneciam lá atrás, recuados na periferia daquelas assembleias numerosas. Lá permaneciam como os últimos ouvintes, quer não só por serem estrangeiros, mas sobretudo porque na sua maioria eram incircuncisos, e por isso não plenamente convertidos ao judaísmo.

Para estes últimos, aquele dia fora inesquecível…


Paulo falara-lhes do euangelion de um homem, um Nazareno que acolhia prostitutas, pastores, publicanos, indigentes, e toda a espécie de pecadores públicos. Um judeu Nazareno que questionava muitos dos costumes judaicos, e surpreendentemente se dava com “más companhias”, inclusive os próprios pagãos romanos e outros tantos que habitavam na Galileia dos gentios. Esse judeu atrevera-se a dizer que todos estes “últimos do mundo” eram os “primeiros no Reino”. E porque os amara e defendera até ao fim foi rejeitado em Jerusalém e violentamente morto fora dos seus muros como herege! Por tudo isso, Paulo proclamara-o como o Messias não só do Judeus, mas de todos os que acolhessem de coração aberto esta Boa Notícia.


Sim, aquela Boa Novidade fazia tanto sentido para aquela gente ignorante da Lei e ainda fora da Aliança, que sentiam-se claramente os seus primeiros destinatários naquela assembleia! Sentiam-se amados e acolhidos por esse Yeshu tão vivo nas palavras de Paulo. Aquele Messias judaico trazia um reino de liberdade e Justiça não só para os da sua raça, mas para todos, e sobretudo para eles, os “últimos” entre os Judeus. Sem demora, começam a falar com familiares, sócios, amigos, e outros gentios conhecidos que encontravam para escutarem a Boa Nova anunciada pelos dois visitantes que tinham vindo de tão longe. Os cochichos não paravam de circular e já se espalhavam naquele quarteirão da cidade.


No sábado seguinte, para surpresa dos judeus, rebenta a confusão na sinagoga. Jamais se viram tantos pagãos à porta. Alguns, mais atrevidos, talvez até tentassem irromper ao empurrão pela assembleia adentro, ansiosos por escutar de perto as Novas de que tanto se falara. Porém, como sempre, os pagãos eram expressamente proibidos de entrar. Surpreendentemente parece até que alguns judeus piedosos, sempre acostumados aos habituais “lugares de destaque” já nem conseguiam furar pelo meio daquela multidão de gente para entrar na sinagoga. Estando tudo à pinha naquele lugar, entretanto chegam os dois enviados de Antioquia.


Paulo e Barnabé, surpreendidos, fitam o olhar um no outro, e percebem finalmente o que se passava ali. Paulo então, ali mesmo no meio da praça e em público, toma a palavra e continua a ensinar o Euangelion do Nazareno a todos: judeus, pagãos e “prosélitos”. Entretanto, escutam-se vozes de protesto. Muitos dos judeus estavam furiosos, e aqueles dois visitantes eram os responsáveis pelo estardalhaço…

“Os Judeus, ao ver a multidão, encheram-se de inveja e contradiziam as palavras de Paulo com insultos.” (Act 13,45)

Paulo e Barnabé estavam chocados, especialmente Paulo. Este reconhecia naqueles judeus o mesmo nacionalismo desenfreado que defendera uns
anos antes. Entristecia-se por ver aqueles seus irmãos, depositários da Promessa, a desprezarem o Euangelion da nova era messiânica. Como resposta à rejeição da maioria da assembleia judaica, os dois lançam então uma repreensão àquela gente irada: “Visto que rejeitais a Boa Notícia, a partir de agora nos dirigiremos aos pagãos”


Os dois abandonam a vizinhança da sinagoga com os gentios, “prosélitos” e até alguns judeus tocados por aquele anúncio ousado. Nos dias que se seguiram, reuniram-se nas suas casas e noutros lugares para os prepararem para a formação de uma das primeiras comunidades de pagãos convertidos à Boa Notícia.


E assim o Espírito de Deus encontrava espaço de acção para fazer acontecer a Universalidade do Reino. Vivia-se de facto um tempo como nunca o mundo tinha assistido antes: “felizes os olhos que vêem o que vós vedes, pois vos digo que muitos profetas e reis desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram.” (Lc 10,23-24). Iniciava-se uma Nova Aliança, selada pela presença de um Espírito que “sopra onde quer”, e para Paulo e Barnabé tudo tornara-se muito claro: ninguém tinha de ser necessariamente judeu para tornar-se Cristão!

1 comentário:

Anónimo disse...

Ninguém tem necessidade de ser católico para ser santo!
Os primeiros no coração do Pai não são, acho eu, aqueles que cumprem à risca as normas e os canones todos, todinhos, para se sentirem "dentro", mas aqueles que arricam desassossego, sofrimento e lágrimas de compaixão...esse comportamento de risco atira-os, quando calha, para "fora"...
Estamos a gostar muito deste estudo-reflexão!Um abraço para ti!