terça-feira, 24 de setembro de 2013

Memória do Profeta Martin Luther King [4] - A CORAGEM DA NÃO-VIOLÊNCIA EM TEMPOS VIOLENTOS


 

A comunidade negra de Montgomery, o MIA, e todos os afro-americanos dos EUA celebravam o fim da segregação racial nos autocarros, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal de Justiça americano. Naquele tempo, apesar das convicções racistas de muitos políticos, pelo menos estes acatavam e respeitavam a Constituição.

Nessa altura Martin respirava de alívio, e começava a ser famoso por ter conduzido um movimento de pessoas a uma revolta pacífica e ordeira. Estava provado que as técnicas de não-violência gandhianas surtiam efeito. Mas isso não impedia que os inimigos dos Direitos Cívicos deixassem de exercer a sua influência e violência. Bem pelo contrário. Para eles era imperativo iniciar uma cruzada, recorrendo a todos os meios possíveis, para travar a ascensão do movimento de King e de outras associações. A sua arma era o uso da força e da violência, de forma a criar um clima de medo generalizado, para manter a submissão e impedir o progresso da consciência cívica da nação.

Contudo, foi nesses ataques violentos que Martin Luther King revelou encarnar a verdadeira força da não-violência. A 30 de Janeiro de 1956, Martin discursava numa Igreja para encorajar o boicote de Montgomery, até que alguém o avisa sobre a sua casa atacada à bomba. Martin, ao chegar a casa, encontra-a ainda a arder sob escombros, e uma multidão crescente de pessoas furiosas, armadas e prontas para descarregarem a sua raiva sobre a polícia, os bombeiros e sobretudo o presidente da câmara e o chefe da polícia da cidade.
Depois de se tranquilizar, após saber que a sua esposa e filhos escaparam ilesos ao atentado, Martin subiu ao alpendre da sua casa em ruínas e diz: “Está tudo bem! Aquele que vive da espada perecerá pela espada. O meu desejo é que ameis os vossos inimigos. Sede bons para eles. Amai-os e mostrai-lhes que os amais”.
(…) O que estamos a fazer é justo. E Deus está connosco. Ide para vossas casas com esta fé calorosa e com esta radiosa certeza. Com amor nos vossos corações…”.

De súbito a multidão dispersou. De início, uma turba perigosa e enfurecida, agora regressava a casa cantando o espiritual negro “Amazing Grace”. Mais tarde um polícia branco da cidade, e que tinha estado naquela noite a enfrentar a multidão, comentaria: “se não fosse aquele pregador preto teríamos todos morrido”.

Noutra ocasião, após o boicote de Montgomery, Martin fundara oficialmente o seu movimento: o SCLC (Conferência de Liderança Cristã Sulista). Não se podia perder tempo. Contra alguns dos seus conselheiros mais próximos que apelavam à “prudência” e “paciência”, Martin afirmava que os afro-americanos já tinham esperado tempo demais pela sua liberdade e igualdade de oportunidades.

Por isso era preciso aproveitar a oportunidade dada pelo Supremo Tribunal de Justiça e avançar com novos protestos à escala nacional. Desta vez, proclamava a “Cruzada pela Cidadania”. Desejava forçar as instituições a cumprir a lei do pós-guerra que permitia o recenseamento eleitoral de afro-americanos. Para tal definiu como objetivo duplicar o número de eleitores afro-americanos do Sul até às eleições de 1960.

Dizia: “Dêem-nos o voto e nós encheremos as assembleias legislativas com homens de boa vontade. (…) Dêem-nos o voto e nós, tranquila e não violentamente, sem rancor ou amargura cumpriremos a decisão do Supremo Tribunal de 17 de Maio de 1954 (…) O relógio do destino está a esgotar-se. Temos de agir agora, antes que seja demasiado tarde”.


Certo dia em Harlem, enquanto assinava autógrafos na recente edição “Caminhar para a Liberdade” do seu relato sobre o boicote de Montgomery, uma mulher negra, Izola Curry, aproximou-se dele sentado e perguntou-lhe: “Você é Martin Luther King? Luther King, ando há cinco anos atrás de ti”, e enquanto falava enterrou-lhe no peito uma faca afiada de abrir cartas, perfurando-o a rasar a artéria aorta. Martin correu sério risco de vida, e depois de uma longa operação, recuperou no hospital de Harlem. Coretta, sua mulher, acompanhava-o todo o tempo, e King, tendo-se informado a respeito da vida enfadada e da loucura de Izola, disse à esposa: “Coretta, essa mulher precisa de ajuda. Ela não é responsável pela violência. Não faças nada contra ela, não a processes, garante que seja tratada.” E assim aconteceu. Por respeito ao desejo de King, Izola não foi condenada e recebeu posteriormente os melhores cuidados médicos num hospital de especializado na reabilitação de pessoas alienadas.


Entretanto, Bayard Rustin, um ativista comunista, tornou-se amigo próximo de Martin Luther King. Era um adepto incondicional da não-violência e tinha trabalhado com o Partido de Gandhi na Índia, com um longo historial de detenções pelas marchas de protesto que organizou desde os anos 30 contra a segregação racial e as desigualdades sociais na América.
Rustin, de ideologia comunista estava proibido pelos conselheiros e membros do SCLC a associar-se publicamente a King, pois isso podia destruir-lhe a reputação. Contudo, secretamente, Martin e Rustin partilhavam uma estreita ligação. E assim Martin adquiriu um conhecimento profundo sobre as estratégias do movimento de Gandhi, e de muitas táticas de desobediência civil e não-cooperação pacíficas para desarmar os opressores.

Martin  diria mais tarde:

“O movimento foi desde o início guiado por uma filosofia. Um princípio (…) designado de muitos modos: resistência não-violenta, não cooperação, resistência passiva. Foi o Sermão da Montanha, e não qualquer doutrina de resistência passiva que começou por inspirar os Negros de Montgomery (…).
Porém com o passar do tempo, a inspiração de Mahatma Gandhi começou a exercer a sua influência. Para mim, tornou-se claro desde cedo que a doutrina cristã do amor, posta em prática pelo método da não-violência de Gandhi, era uma das armas mais poderosas de que o Negro podia dispor na sua luta pela liberdade.(…)
Cristo dava o espírito e motivação, enquanto Gandhi contribuía com o método.”


Em homenagem a Gandhi, e rendido de admiração pelo líder indiano, mais tarde em Fevereiro de 1959 Martin Luther King viajaria à Índia num encontro com o primeiro ministro Nehru. Graças a ele, ganharia novo fôlego pelo movimento dos Direitos Cívicos.





Porém, a ligação de Martin a Rustin custou-lhe caro, convertendo-o num alvo de investigação do FBI, nessa altura liderada pelo perigoso e esquizofrénico J. Edgar Hoover, obcecado pelo moralismo e perseguidor implacável à “ameaça comunista”. A partir dessa altura, Martin Luther King estava a ganhar inimigos poderosos…

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