segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Memória do Profeta Martin Luther King [1] – as origens.



Neste Verão tive o privilégio de ler a biografia de Martin Luther King. Faz precisamente 50 anos desde Agosto, que Martin proclamou o seu famoso discurso "I have a dream" (eu tenho um sonho). Ao ler sobre a sua vida e os seus discursos, descobri que o tempo dele não é assim tão diferente do nosso: um tempo de "crise", conturbado, difícil, dramático. E sobretudo o que me admira neste homem foi, em primeiro lugar, a forma como defendeu os direitos cívicos de uma forma não-violenta.

Por outro lado, a maneira não desistente com que enfrentou todas as contrariedades, fracassos e poderes instituídos na época, e que eram poderosíssimos. Outra coisa que me suscitou profunda admiração por este homem, foi descobrir que afinal ele não defendeu apenas os interesses de uma etnia ou raça. Ele também se dedicou à causa universal da paz, um forte opositor à guerra do vietname , e sobretudo nos últimos anos da sua vida, empenhou-se numa luta contra a pobreza e exclusão social.

Para mim, sem dúvida este homem foi Profeta. Profeta incómodo, defensor da Justiça, do direito e dos mais frágeis. Um homem profundamente inspirado pelo Espírito que se tornou "Evangelho" encarnado em pleno século XX.


Para mim, Martin Luther King nunca foi tão atual como hoje. Tinha que o partilhar convosco. Seguem-se uma série de posts. Espero resumir o melhor que sei e aprendi dele.





Nasce a 29 de Janeiro de 1929, em casa, filho da professora Alberta King e do pregador Michael King da Igreja Batista de Ebenezer na cidade de Atlanta. Batizado como Michael King Jr (Júnior), com pouco mais de dez meses, o pequeno Mike cresce numa América repentinamente destroçada pelo crash da Bolsa de Wall Street a 24 de Outubro de 1929, provocada pela especulação financeira desregulada. Seguem-se de imediato as consequências: centenas e centenas de milhares no desemprego, fábricas e empresas a fechar, fome, incompetência e corrupção política… E como é apanágio de todas as “crises”, os mais frágeis são convertidos nas primeiras vítimas.


Dentre elas destacavam-se também os afro-americanos, desde sempre perseguidos e maltratados pela sua cor de pele. Desde 1830 a segregação racial americana expressava-se nas leis Jim Crow, que obrigavam à separação de raças em lugares públicos e privados: bairros, habitações, escolas, hotéis e pensões, jardins, fontanários, casa de banho públicas, restaurantes, cafés, universidades, tribunais, etc. Nesse tempo era comum encontrar à entrada de muitos desses lugares as inscrições: “reservado a brancos”, “proibido a entrada de negros” ou “pessoas de cor”.


Mas não era o pior. No Sul dos EUA, a maioria dos americanos brancos alimentava uma cultura de segregação, por vezes até militante, contra os afro-americanos e outras pessoas de côr. Nalguns casos – e não raros  chegavam-lhes a ser inflingidos crimes e barbaridades horríveis por grupos de linchamento: torturas, mutilações, enforcamento, ou imolação onde as vítimas eram regadas em gasolina para logo a seguir serem queimadas vivas em público.


As pessoas de côr, nomeadamente os afro-americanos, não tinham direitos, não podiam votar, e na esmagadora maioria não tinham acesso a condições mínimas de higiene, habitação, cuidados de saúde, ao ensino superior ou a um emprego digno. Por vezes as vozes da “supremacia branca” sulista encorajava a turba a exercer atos de violência para - passo a citar um jornalista da época -: “manter os pretos submissos”.


Afinal a abolição da escravatura americana no séc. XIX, era na prática um embuste, uma ilusão. E foi este o tempo e o ambiente onde cresceu o pequeno Mike. Protegido no ambiente propício duma comunidade negra Batista, com um pai como líder religioso, Mike foi poupado dos horrores da perseguição racista no Sul.


A origem do nome “Martin Luther” veio do pai King. Em 1934 viajou pela Europa e, ao conhecer mais profundamente a vida e obra de Martinho Lutero (Martin Luther),no regresso a Atlanta mudou o seu nome e o do filho para Martin Luther em honra do teólogo protestante. Nessa altura Mike também passou a ser chamado M.L., embora ainda ninguém o tratasse por Martin Luther King Jr. (Júnior).


O pai King ensinava na sua comunidade, e a Mike desde a infância, que todos eram filhos de Deus, e ninguém devia ser privado da sua dignidade. Encorajava os filhos a não frequentar – tanto quanto possível – lugares segregados, pois segundo ele, eram contrários à vontade de Deus e contra a “ordem moral”. Certa ocasião a família King entrou numa sapataria e foram avisados que tinham de sentar-se na secção reservada a negros, lá no fundo da loja. Mas o pai King confrontou o dono da loja dizendo: “Não vejo nenhum problema com estas cadeiras”; ao que o dono retorquiu: “lamento. Mas vão ter de sair daí”. O pai King insistiu: “Ou compramos sapatos aqui sentados, ou não compramos sapatos”. Foram expulsos da loja, mas o pequeno Mike viu o pai com um ar imperturbável e digno dizendo: “Não me interessa quanto tempo terei de viver com este sistema, jamais o aceitarei”.


Entretanto o pequeno Mike foi crescendo neste ambiente, contagiando-se pela paixão da pregação do seu pai. Isso estava-lhe “no sangue”. Provinha duma família de pregadores, e era isso mesmo que tinha sido incutido pela família. Um dia seria o sucessor de seu pai à frente da Igreja de Ebenezer – assim o esperavam o pai e o avô King (também pregador).


Mike gostava de ler, e já na adolescência treinava discursos ao espelho, com os trajeitos e linguagem gestual, entoação, pausas de voz, e outras técnicas passadas de geração em geração, e tão caraterísticas da tradição das Igrejas protestantes e dos espirituais negros.


Inspirado nos conselhos do pai, sempre que podia e de maneira atrevida e subversiva, usava elevadores onde se lia “reservado a brancos” e evitava sempre viajar nos autocarros segregados. Aos 15 anos, participou orgulhoso num concurso público de discursos intitulado “O Negro e a Constituição”. Testemunhos relatam que arrebatou o auditório com a forma como defendeu tão bem a Constituição Americana e o direito dos negros nela consagrada. Isto num tempo, em que não convinha a ninguém defender a Constituição num ponto tão “sensível” ao dito “interesse público” (enfim, coisas  só “desse tempo” não?)



Já muito jovem, Martin Luther King Jr. revelava-se promissor, e com uma personalidade rebelde, por vezes até, irritando o Pai King com a sua irreverência e força de caráter…





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