No Coração de Jesus pairava incessantemente um sonho muito antigo.
Um sonho que emergiu no seio de um povo ao longo de inúmeras gerações de Reis, sacerdotes, profetas, e uma multidão de tantos outros homens e mulheres. Um sonho tão longínquo que remontava até…ao Princípio. Aquele mesmo que falava de um Jardim onde Deus e o homem se enamoravam e em torno do qual gravitava toda a Criação. Um sonho universal, um Projecto, onde Deus mesmo era o Começo e o Fim, o Alfa e o Ómega duma História de Salvação.
Desde há muito que alguns, na esperança do Fim de tanta miséria e injustiça, nomeavam-lhe o “Dia do Juízo” ou “Dia da Ira”; outros porém, na expectativa de um outro Começo, chamavam ao Sonho de “Nova Aliança”…mas todos partilhavam duma esperança comum: Deus é Fiel, e haverá de consumar o Seu Projecto, o Seu sonho…
Jesus, aparte destas designações, chamou-lhe simplesmente Reino de Deus…
Não era uma expressão estranha às gentes da Galileia e Judeia. Aquele povo oprimido pelo sufoco de séculos de dominação invasora, e agora dos romanos, aguardava da parte de Deus uma Libertação definitiva e prosperidade para Israel. Todos os sábados e dias de festa recitavam na sinagoga a oração do Kaddish:
«Que o Seu Nome seja louvado e santificado no mundo que Ele criou segundo a sua vontade. Que o Seu Reino irrompa na vossa vida e vossos dias, nos dias de toda a casa de Israel, pronto e sem demora…Que uma paz abundante chegada do Céu assim como a vida venham sem demora sobre nós e sobre todo o Israel…Que aquele que fez a Paz nas alturas a estenda sobre nós e sobre todo o Israel»
Um pouco por toda a parte, e há já algum tempo, a nação ia exibindo sinais de tensão impacientando-se pela inauguração desse Sonho de Deus e do seu Reino Messiânico: Uns formavam grupos de guerrilheiros armados provocando focos de resistência violenta; outros refugiavam-se no deserto em comunidades de monges, preparando-se para serem poupados da Vinda implacável e Terrível que se avizinhava; e outros ainda, ou separavam-se do resto do povo no cumprimento fundamentalista da Lei, ou embriagavam-se com o incenso do Templo na expectativa de se tornarem dignos de aderir aos eleitos do Último dia…
Mas Jesus situava-se noutro horizonte muito mais amplo, porque era exactamente à medida do Coração de Deus! Para ele era muito claro que já estava em emergência um Reino feito de Compaixão, Misericórdia, Perdão incondicional, Justiça e Alegria que inaugurariam um novo tempo, uma nova realidade, com outra lógica e outro modo de ser gente.
Eis as primeiras palavras que Marcos coloca na boca de Jesus:
«Completou-se o tempo. O Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e acreditai na Boa Notícia» (Mc 1,15)
A expressão não significa a chegada de um Reino “próximo no futuro”, quase iminente; mas denuncia um ACONTECIMENTO ACTUAL: O Reino chegou AGORA! JÁ!! O tempo da espera e da impaciência esgotou-se! É a hora de despertar daquele Sonho antigo…de abrir o olhar e o coração de Israel para o deslumbramento, e conduzi-lo ao Senhorio inesperado de Deus.
Chegara a hora e a urgência de acordar para permanecer atento à realidade nova que JÁ irrompe no mais íntimo da vida…porque Deus mesmo está a finalizar o seu Sonho, no presente. De alguma forma todos precisavam de ser abalados e despertar da modorra ou desespero em que viviam: tinham de dar o passo, entrar, e tornarem-se cidadãos deste Reino!
Jesus conhecia muito bem o modo de dizer as Boas Notícias ao jeito do seu povo, tão diferente do modo como as dizemos hoje. Nós, ocidentais, falamos das coisas através de conceitos, definições e ideias abstractas. Caímos facilmente na tendência cultural de anunciar o jeito de Deus de um modo dogmático, fechado, conceptual, e filosófico. Por isso, hoje focamo-nos mais no “discurso sobre Deus”, do que no fascínio por Ele…
Ao contrário, o Povo de Israel contava histórias, criava poesia, compunha cânticos, fazia comparações fantásticas e inventava fábulas lindíssimas para permanecer na experiência da Aliança, e abrir o coração à novidade de Deus. Esta fora sempre a única linguagem adequada ao Anúncio da Sua Presença VIVA, Fiel e Salvadora!
E Jesus, como todo o judeu do seu tempo, estava treinado nesta arte de sentir, comunicar e entender o jeito de Deus. Nele estava bem consciente, por exemplo, a forma arrebatada como Oseias narrava o Amor entre Yahvé e Israel, tão ao jeito de um romance ou duma ternura maternal:
«Por isso eis que vou, eu mesmo seduzi-la,
Conduzi-la ao deserto e falar-lhe ao coração.
Dali lhe restituirei as suas vinhas, e o vale de Acor será uma porta de esperança.
Ali ela responderá como nos dias da sua juventude
(…) Eu te desposarei a mim para sempre,
Eu te desposarei na Justiça e no direito,
No Amor e na ternura» (Os 2,16-21)
«Quando Israel era ainda menino, eu o amei,
e do Egipto chamei o meu filho.
(…) Com laços de amor os atraía, com laços de carinho.
Fui para eles como quem levanta uma criancinha até ao rosto;
Eu me inclinava e lhes dava de comer» (Os 11,1-4)
E quem não teria presente a comparação belíssima de Ezequiel sobre a Aliança?
«Passei junto de ti e vi-te. Era o teu tempo, tempo de amores,
e estendi a aba da minha capa sobre ti e ocultei a tua nudez;
comprometi-me contigo por juramento e fiz aliança contigo e tu te tornaste minha(…)
Tu te enfeitaste de ouro e prata; os teus vestidos eram de linho, seda e bordados (…)
A tua fama se espalhou entre as nações, por causa da tua beleza que era perfeita,
devido ao esplendor com que te cobrias,…» (Ez 16,8-14)
Assim, do mesmo modo, Jesus herdara também a destreza do seu povo para criar parábolas, como por exemplo, a de Samuel (2Sam 18, 1-8) dirigida a David, a parábola cantada de Isaías sobre a Vinha (Is 5,1-7), ou as de Ezequiel (Ez 15 e Ez 17)… que dizer ainda sobre as visões de esperança de Jeremias (Jer 32-33), Joel (Jl 3), ou Zacarias (Zc 8-9,12-13)?...
Tantas e tantas eram as imagens vívidas e as experiências simples que reflectiam fielmente a grandeza e o alcance da História da Salvação…
Pois foi assim mesmo, desta forma tão simples, e com este encanto que o Poeta da Compaixão começou a anunciar e contagiar a sua experiência do Reino de Deus…
CONTINUA...
Um sonho que emergiu no seio de um povo ao longo de inúmeras gerações de Reis, sacerdotes, profetas, e uma multidão de tantos outros homens e mulheres. Um sonho tão longínquo que remontava até…ao Princípio. Aquele mesmo que falava de um Jardim onde Deus e o homem se enamoravam e em torno do qual gravitava toda a Criação. Um sonho universal, um Projecto, onde Deus mesmo era o Começo e o Fim, o Alfa e o Ómega duma História de Salvação.
Desde há muito que alguns, na esperança do Fim de tanta miséria e injustiça, nomeavam-lhe o “Dia do Juízo” ou “Dia da Ira”; outros porém, na expectativa de um outro Começo, chamavam ao Sonho de “Nova Aliança”…mas todos partilhavam duma esperança comum: Deus é Fiel, e haverá de consumar o Seu Projecto, o Seu sonho…
Jesus, aparte destas designações, chamou-lhe simplesmente Reino de Deus…
Não era uma expressão estranha às gentes da Galileia e Judeia. Aquele povo oprimido pelo sufoco de séculos de dominação invasora, e agora dos romanos, aguardava da parte de Deus uma Libertação definitiva e prosperidade para Israel. Todos os sábados e dias de festa recitavam na sinagoga a oração do Kaddish:
«Que o Seu Nome seja louvado e santificado no mundo que Ele criou segundo a sua vontade. Que o Seu Reino irrompa na vossa vida e vossos dias, nos dias de toda a casa de Israel, pronto e sem demora…Que uma paz abundante chegada do Céu assim como a vida venham sem demora sobre nós e sobre todo o Israel…Que aquele que fez a Paz nas alturas a estenda sobre nós e sobre todo o Israel»
Um pouco por toda a parte, e há já algum tempo, a nação ia exibindo sinais de tensão impacientando-se pela inauguração desse Sonho de Deus e do seu Reino Messiânico: Uns formavam grupos de guerrilheiros armados provocando focos de resistência violenta; outros refugiavam-se no deserto em comunidades de monges, preparando-se para serem poupados da Vinda implacável e Terrível que se avizinhava; e outros ainda, ou separavam-se do resto do povo no cumprimento fundamentalista da Lei, ou embriagavam-se com o incenso do Templo na expectativa de se tornarem dignos de aderir aos eleitos do Último dia…
Mas Jesus situava-se noutro horizonte muito mais amplo, porque era exactamente à medida do Coração de Deus! Para ele era muito claro que já estava em emergência um Reino feito de Compaixão, Misericórdia, Perdão incondicional, Justiça e Alegria que inaugurariam um novo tempo, uma nova realidade, com outra lógica e outro modo de ser gente.
Eis as primeiras palavras que Marcos coloca na boca de Jesus:
«Completou-se o tempo. O Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e acreditai na Boa Notícia» (Mc 1,15)
A expressão não significa a chegada de um Reino “próximo no futuro”, quase iminente; mas denuncia um ACONTECIMENTO ACTUAL: O Reino chegou AGORA! JÁ!! O tempo da espera e da impaciência esgotou-se! É a hora de despertar daquele Sonho antigo…de abrir o olhar e o coração de Israel para o deslumbramento, e conduzi-lo ao Senhorio inesperado de Deus.
Chegara a hora e a urgência de acordar para permanecer atento à realidade nova que JÁ irrompe no mais íntimo da vida…porque Deus mesmo está a finalizar o seu Sonho, no presente. De alguma forma todos precisavam de ser abalados e despertar da modorra ou desespero em que viviam: tinham de dar o passo, entrar, e tornarem-se cidadãos deste Reino!
Jesus conhecia muito bem o modo de dizer as Boas Notícias ao jeito do seu povo, tão diferente do modo como as dizemos hoje. Nós, ocidentais, falamos das coisas através de conceitos, definições e ideias abstractas. Caímos facilmente na tendência cultural de anunciar o jeito de Deus de um modo dogmático, fechado, conceptual, e filosófico. Por isso, hoje focamo-nos mais no “discurso sobre Deus”, do que no fascínio por Ele…
Ao contrário, o Povo de Israel contava histórias, criava poesia, compunha cânticos, fazia comparações fantásticas e inventava fábulas lindíssimas para permanecer na experiência da Aliança, e abrir o coração à novidade de Deus. Esta fora sempre a única linguagem adequada ao Anúncio da Sua Presença VIVA, Fiel e Salvadora!
E Jesus, como todo o judeu do seu tempo, estava treinado nesta arte de sentir, comunicar e entender o jeito de Deus. Nele estava bem consciente, por exemplo, a forma arrebatada como Oseias narrava o Amor entre Yahvé e Israel, tão ao jeito de um romance ou duma ternura maternal:
«Por isso eis que vou, eu mesmo seduzi-la,
Conduzi-la ao deserto e falar-lhe ao coração.
Dali lhe restituirei as suas vinhas, e o vale de Acor será uma porta de esperança.
Ali ela responderá como nos dias da sua juventude
(…) Eu te desposarei a mim para sempre,
Eu te desposarei na Justiça e no direito,
No Amor e na ternura» (Os 2,16-21)
«Quando Israel era ainda menino, eu o amei,
e do Egipto chamei o meu filho.
(…) Com laços de amor os atraía, com laços de carinho.
Fui para eles como quem levanta uma criancinha até ao rosto;
Eu me inclinava e lhes dava de comer» (Os 11,1-4)
E quem não teria presente a comparação belíssima de Ezequiel sobre a Aliança?
«Passei junto de ti e vi-te. Era o teu tempo, tempo de amores,
e estendi a aba da minha capa sobre ti e ocultei a tua nudez;
comprometi-me contigo por juramento e fiz aliança contigo e tu te tornaste minha(…)
Tu te enfeitaste de ouro e prata; os teus vestidos eram de linho, seda e bordados (…)
A tua fama se espalhou entre as nações, por causa da tua beleza que era perfeita,
devido ao esplendor com que te cobrias,…» (Ez 16,8-14)
Assim, do mesmo modo, Jesus herdara também a destreza do seu povo para criar parábolas, como por exemplo, a de Samuel (2Sam 18, 1-8) dirigida a David, a parábola cantada de Isaías sobre a Vinha (Is 5,1-7), ou as de Ezequiel (Ez 15 e Ez 17)… que dizer ainda sobre as visões de esperança de Jeremias (Jer 32-33), Joel (Jl 3), ou Zacarias (Zc 8-9,12-13)?...
Tantas e tantas eram as imagens vívidas e as experiências simples que reflectiam fielmente a grandeza e o alcance da História da Salvação…
Pois foi assim mesmo, desta forma tão simples, e com este encanto que o Poeta da Compaixão começou a anunciar e contagiar a sua experiência do Reino de Deus…
CONTINUA...
2 comentários:
YYYYYYYuuuuuuuppppppppiiiiiiiiii!!!!
Voltaste :D!!!!
Fico à espera que nos contes mais deste sonho que pairava no Coração do Mestre :)!
Obrigada e uma boa semana para ti!
Obrigado, por este texto com sabor a salvação.
Um abraço
Calmeiro Matias
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