A proclamação do Perdão sempre fez parte do anúncio fundamental de Jesus. Constituía o primeiro grande sinal da presença do Reino de Deus e do tempo novo da Salvação.
Ele estava decidido a acabar com o maior de todos os pecados de Israel: a separação das pessoas em castas. Na base deste movimento de marginalidade social estava a concepção pervertida da Santidade de Yahvé. Em nome de Deus praticavam-se as maiores injustiças e aberrações humanas:
- Imposição de taxas sagradas a que os camponeses se viam forçados a oferecer para sustentar a rica classe sacerdotal. Muitas vezes a “obrigação sagrada” de pagar o dízimo ao Templo podia ameaçar os poucos recursos das famílias mais pobres.
- A exclusão automática dos enfermos graves (aleijados, leprosos, hemorrágicos…) de todo o contacto humano. Era uma ordem dos sacerdotes cuja desobediência podia incorrer na pena de morte. As doenças e enfermidades eram encaradas como estados de impureza que denunciavam a maldição de Deus e podiam contagiar os demais.
- O desprezo fomentado pelos fariseus em relação às gentes ignorantes das camadas sociais mais remotas. Constituíam famílias e comunidades de pessoas sem formação religiosa da Lei, e por isso também marginalizados como pecadores.
- A desumanidade diante das profissões impuras que instituíam os pecadores públicos: publicanos e prostitutas. Homens e mulheres pressionados para situações limite mais por força das circunstâncias, do que propriamente por escolha própria.
Aos olhos de Jesus, estes abandonados de Israel nunca são “pecadores” - somente usava essa designação para refutar as acusações dos fariseus e doutores da Lei. Segundo Jesus, estes marginais do seu tempo, são carinhosamente apelidados de «pequenos», os desprotegidos e oprimidos pelo impiedoso sistema social e religioso de Jerusalém.
Para os sacerdotes, fariseus, e doutores da Lei, o pecado era uma transgressão que exigia uma pena ou sacrifício. Confundiam o pecado com o pecador, onde por vezes a destruição do primeiro exigia a morte do segundo. Para Jesus não: o pecado é sempre uma doença que necessitava de cura. Por isso mata-se antes o pecado restaurando a saúde do pecador!
Não é que os líderes religiosos não acreditassem no Perdão. Porém, estes “homens santos” proclamavam o perdão dum “Deus de Santidade” separado do mundo e dos homens profanos. Segundo eles, o pecador purificava-se por um processo de penitência, jejuns, contrição e adesão à Lei e ao Culto, com a cessação prévia de quaisquer actividades impuras (cobrança de imposto romano, prostituição,…). Era um Perdão negociado que exigia sempre a iniciativa e aproximação do pecador, implorando a resposta clemente do “Deus Santo”.
Jesus desmonta totalmente esta concepção com uma Boa Notícia: O Perdão nunca é a resposta de Deus, mas antes a sua iniciativa! O Perdão é o Dom do Amor de Deus que destrói o pecado pela Sua proximidade com o pecador – nunca pela Sua separação – e antes de todo o arrependimento. Jesus proclamava com Autoridade: «os teus pecados estão perdoados!» Proclamava-o antes de qualquer disposição ou intenção de quem o escutava. Proclamava-o como uma ACÇÃO oferecida de antemão, gratuita, imerecida, e definitiva que só pedia abertura e o acolhimento na Fé:
«Não temas, somente tem Fé» (Mc 5,36)
«tudo é possível para aquele que crê» (Mc 9,23)
Diante de todo o Israel, Jesus anuncia pelo seu contacto com os excluídos e impuros que o Perdão de Deus é o sinal da Sua soberana Liberdade de amar. A santidade de Deus não depende das exigências de ritos e normas cultuais, mas manifesta-se agora como GRAÇA.
O Deus da Graça elegeu e libertou um bando de escravos do Egipto sem qualquer justificação, nem nenhum mérito precedente. Fez Aliança com eles, congregando-os como um povo simplesmente por causa da Sua Bondade. O Deus da Graça que sempre amparara o órfão e a viúva, é o mesmo que agora ousa “sujar-se”, e “misturar-se” com os impuros, excluídos e estrangeiros de Israel.
O escândalo de Jesus é manifestar um Deus que Jamais se “enoja” ou se ofende diante do nosso pecado. Pelo contrário, o pecado e suas consequências são razões mais fortes para que Deus ame ainda mais o pecador.
Um pecador encontrado, cuidado e reintegrado na sociedade valia muitíssimo mais aos olhos de Deus do que 99 fariseus observantes da Lei, 99 sacerdotes zelosos das oferendas sagradas, ou 99 homens de rectidão impecável: cada excluído valia por todo o Israel (Lc 15,7)! Cada um destes «pequeninos» com quem Jesus se cruzava tornava-se seu(ua) amigo(a), e irmão(ã) inseparável.
Seria então a Graça deste Deus ainda maior do que a sua Santidade?
Jesus revela muito mais: a única Santidade de Deus é a sua Misericórdia! Ele é Santo por causa do seu amor de predilecção, porque tem “entranhas de Mãe” (expressão hebraica que se traduz como rahamim)! É uma misericórdia nítida na imagem de um pai que não se ofende pelo filho exigir-lhe a herança ainda em vida (Lc 15,11); ou pelo mesmo pai que corre como um velho tonto, sem nenhum pudor pela figura austera e patriarcal, escandalosamente abraçando e cobrindo de beijos o seu “filho impuro” (Lc 15,20).
O anúncio extraordinário deste Perdão ia muito para além das palavras, porque sucedia como uma experiência íntima sem paralelo, provocada pelo encontro face a face com Jesus. Os «pequenos» procuravam nele uma acção terapêutica, não para encontrar remédios, mezinhas ou receitas de curandeiro, mas porque reconheciam naquele homem alguém habitado pelo Espírito de Deus, alguém cuja terapia era ele mesmo! E eles sabiam-no tão bem:
Sabiam como Jesus contagiava neles saúde, alegria e vida;
Animados pela ternura e o tremendo afecto dos seus gestos, sentiam a força libertadora do seu toque pelo modo como os tomava pela mão, abençoava, e abraçava;
sabiam agora que eram dignos de ser amados,
como autênticos filhos de Israel;
preciosos aos olhos de Deus;
queridos, especiais,
válidos…
Sim, eles sabiam…
Sabiam que com o Mestre de Nazaré o Perdão ocorria sempre como o irromper de um fascino surpreendente e uma alegria inesperada.
Muitos deles testemunhavam com euforia desconcertante como se sentiam curados, sarados das lepras da exclusão e dos fardos da culpa. Agradeciam e louvavam pelo modo como aquele Galileu despertara-lhes a confiança em si próprios; da forma como activara neles energias internas e forças psíquicas para superarem os seus bloqueios e medos.
Em Jesus experimentavam um Deus inesperado, e tão diferente das tantas máscaras que desfiguravam o Seu Rosto Salvador…
2 comentários:
Olá Gustavo
Obrigado poreste rosto tão bonito de Deus.
Afinal na origem de todas as coisas está o amor.
Defacto não tem sentido servir-se do nome de Deus para humilhar qualquer ser humano
Um abraço
Calmeiro Matias
Quando os pobres e pequenos de qualquer tempo descobrem o rosto , para eles inesperado de um Deus de misericórdia e perdão, adeus "sacrifícios, esmolas e rezas" para "comprar" a "entrada no templo"...em seu lugar fica um coração agradecido que não mais se cala nem cansa de anunciar esse "milagre" !O milagre que os "levantou" ! Que "milagre " esta cor diferente que podemos dar à nossa caminhada quaresmal...Té logo!
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