quarta-feira, 8 de outubro de 2008

NO TEMPO DA SEITA DOS NAZARENOS [6]


- A Testemunha -


A comunidade de Jerusalém continuava a crescer apesar do clima de tensão vivido com as autoridades. Mais do que nunca, era agora necessário dar atenção às diferentes sensibilidades de discípulos cada vez mais numerosos e de origens diversas. A ela aderiam judeus não só provenientes da própria cidade e da palestina, mas outros que vinham do estrangeiro, da chamada diáspora, e que entretanto se tinham instalado em Jerusalém. Falavam a língua grega, e além de receberem a educação e tradição judaicas, tinham assimilado também a cultura helenística.


Discutia-se entre eles que as viúvas de irmãos gregos não recebiam o mesmo cuidado que as dos israelitas natos (Act 6,1). Apesar do problema, a comunidade reúne-se com os apóstolos. Ali não havia hierarquia nem castas privilegiadas. Todos examinavam, dialogavam, reflectiam, e decidiam em comum igualdade segundo a Fila-délfia [traduz-se como “amizade entre irmãos”], uma autêntica fraternidade entre discípulos e discípulas de um Mestre na arte de amar e servir.

Assim nomearam por unanimidade sete irmãos, sete judeus gregos que auxiliassem os doze na diakonia [tradução grega de “serviço”] à comunidade. Seus nomes eram
Estevão, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas, e Nicolau.


Estes sete diakonoi [servidores] eram convocados para o serviço da fracção do pão, assegurando a partilha comunitária de bens aos mais desprotegidos, nomeadamente aos órfãos e viúvas. Porém, na prática também dedicavam-se ao anúncio do Euangelion.
Por isso expressavam a mesma diakonia dos doze, a diakonia de Jesus: “Eu vim para servir, não para ser servido”


Estes diáconos não eram instituídos segundo uma “ordem sacra”! Eram escolhidos sobretudo porque todos reconheciam neles a eficácia do Kerygma, o mesmo “selo de qualidade” atestado nos apóstolos e nos outros primeiros discípulos e discípulas de Jesus. Eram nomeados precisamente por serem os mais estimados pela comunidade. Estima que vinha do bem extraordinário que faziam. Por isso, a sua nomeação era sinal de confirmação de que a Ruah já actuava eficazmente neles com as qualidades (karismas) de servidores da Palavra do Mestre Nazareno, e por isso seguidores das suas acções…


Entre eles sobressaía Estevão. Aquele Jovem predilecto, e “menino dos olhos” da comunidade de Jerusalém, anunciava a ressurreição de Jesus com a maior vitalidade, acolhendo, confortando e trazendo a redenção aos abandonados de Jerusalém.
Esses agraciados liam no seu jeito de ser e nos seus actos “grandes milagres e sinais”, à maneira de Jesus.

A alegria e o entusiasmo pelo Yeshu de Nazaré envolviam-no e penetravam nele até às entranhas de tal modo que maravilhava tudo e todos. Estevão cativando assim cada vez mais corações agradecidos, surgia como um dos primeiros frutos maduros dos nazarenos, um fruto abundante do Reino de Deus que se propagava e parecia já ultrapassar todas as barreiras culturais no seio do judaísmo.


De súbito, numa discussão com outros gregos cultos pertencentes à sinagoga, Estevão é assaltado por uma turba de gente furiosa. Um grupo restrito da sinagoga, em conluio com o Concelho da cidade, tinha subornado alguns entre a multidão espalhando boatos de que Estevão blasfemara contra o Templo e a Lei. Era esta a oportunidade tão esperada pelos membros do Sinédrio. Estavam dispostos a fazer dele um exemplo, uma mensagem de ameaça e terror para afugentar os nazarenos.




O jovem comparece num julgamento de juízes tendenciosos, acusado por testemunhas falsas, e condenado ainda antes do caso ser concluído. Iria sofrer as consequências da luta pela liberdade e salvação dos filhos de Israel, nas mesmas condições do seu Mestre Yeshu. O sumo-sacerdote Caifás desafia-o a responder às acusações.


Surprendentemente, Estevão não as nega, mas fundamenta-as! Todo o Concelho sobressalta-se! Colocam as mãos à cabeça. O tiro saíra-lhes pela culatra. Esperavam que ele se humilhasse argumentando uma defesa justa para parecer culpado. Mas aquele homem não só admitia as falsas acusações, como apresentava-as e defendia-as como sua causa.


Com firmeza e cheio do Espírito Santo, cita o próprio Deus, o Abba de Jesus, alto e bom som, pela boca do profeta Isaías: “que templo podereis construir para mim?”. Estevão estava a reduzir em frangalhos toda a tradição sacerdotal de Israel, atribuindo também um novo significado à Lei.
Deus não habitava em templos de “justos”, mas nos corações dos justificados e últimos. Jesus ressuscitado era a pedra angular de um Templo novo que não conhecia fronteiras, que se edificava nos corações dos nazarenos.


Caifás aterrorizado via nele uma face sem medo, uma face que lhe lembrava o Nazareno que havia condenado. O sangue dos poderosos do Sinédrio gelava-lhes nas veias. Aquela cena era assustadoramente familiar. Mas que era isto??? O medo que pretendiam instigar apossara-se deles. O feitiço virava-se contra o feiticeiro…

Estevão não pára! Ardente de zelo pela causa e o Reino de Jesus, denuncia-os como homens de “dura cerviz, incircuncisos de coração e ouvidos”, “resistentes ao Espírito” e “assassinos de profetas”.

Perante aquela defesa escandalosa e subversiva, “eles mordiam-se por dentro e rangiam os dentes contra ele” (Act 7,54). Então dando um grande grito, taparam os ouvidos e lançaram-se com toda a fúria contra Estevão. Arrastam-no pelas ruas de Jerusalém à vista do povo e conduzindo-o para fora dos muros da cidade apedrejam-no violentamente até à morte.




Estevão tinha dado um testemunho verdadeiro e absoluto, não pela sua morte, mas por uma vida entregue até àquela morte, de que Jesus era o Messias ressuscitado e inimigo declarado do Templo e da forma como os poderosos de Jerusalém entendiam a Lei.

Entretanto nos bastidores desta cena terrífica encontrava-se um jovem que tinha segurado as capas daqueles que apredrejaram Estevão. Seu nome era Saulo

4 comentários:

Anónimo disse...

Graças a Deus! Ao menos haja alguém que, escrevendo em fundo preto se lembra dos pobres "velhinhos, ceguetas" entre os quais me incluo!...obga
Que bonito e que bom este regresso às origens, este revisitar as primeiras comunidades, feitas de gente solidária, convencida e senhora do "porquê" da sua Fé, gente capaz de defender esse "porquê" até à morte, mas, acima de tudo, gente alegre e feliz por pôr ao serviço de todos os bens e os dons de cada um...
Porque será que a maioria dos "nazarenos" de hoje são gente tão apagada, tão triste, tão "inofensiva"?! Glória

Anónimo disse...

Uma saudação amiga e reconhecida por esta água fresca a sair da fonte.
É o testemunho de alguém que toma Deus, o Evangelho e a fé a sério.
Calmeiro Matias

Gustavo Sousa disse...

Glória:

Gosto em ver-te sempre por cá.Olha, respondendo à tua pergunta, acho que o problema é que maior parte das vezes não vamos beber as fontes, assim como faziam estas comunidades...fomos todos marcados por uma linguagem de Fé com a tónica nos "dogmas", nas "doutrinas", i.e hoje começamos sempre por anunciar o Cristo da Fé, a partir nas ideias e teorias que guardamos na cabeça.Enfim, começamos a edificar a casa pelo telhado...


Mas a Fé do Evangelho é sobretudo da ordem do ACOLHER, do CONFIAR, FAZER, e ACONTECER...e tudo isso só é possivel numa caminhada comunitária à descoberta da pessoa histórica e concreta de Jesus, que nos vai mostrando como se vive na lógica de Deus. Só depois percebemos o alcance dessa vida á luz da ressurreição.Contudo,confio que toda a Igreja está lentamente a sofrer um processo de retorno às origens. Até mesmo porque a sociedade e a cultura de hoje já são um terreno fértil para isso acontecer.Vamos a Caminho Glória, e Deus vai connosco...

Um grande abraço para ti

Pdre Santos:

Sinceramente, assim até me deixa sem jeito...ainda ando tão "verdinho" nestas coisas do evangelho. Acredite que não é falsa modéstia. Eu sei que há muitíssimo mais a descobrir, saborear e partilhar. Oxalá eu cresça sempre assim, levando Deus e o homem a sério. Obrigado, do fundo do coração. Um grande abraço para si.

Anónimo disse...

É por tudo isto que hoje se justifica absolutamente o catecumenato (de adultos) e menos se justifica o Baptismo de crianças. Contudo, um verdadeiro catecumenato só acontece plenamente em comunidades que vivam fazendo acontecer o Evangelho...
Ninguém nasce cristão. É o testemunho que nos converte.
Obga pelo que por aqui vai sendo filtrado...Glória