quinta-feira, 16 de outubro de 2008

DOS NAZARENOS AOS CRISTÃOS [2]



- Saulo -


Enquanto a semente do Reino do ressuscitado rebentava em cada vez mais povoações e lugares longínquos, em Jerusalém o Sinédrio recrutava e movia todos os recursos e gente para desferir o golpe fatal sobre os nazarenos da cidade. Nessa vaga participavam não só sacerdotes, levitas e saduceus, como também gente piedosa do povo de sentimentos nacionalistas, nomeadamente os fariseus. Entre eles destacava-se Saulo. Vemo-lo presente na lapidação de Estevão a segurar as capas dos agressores e aprovando aquela morte. Mas afinal quem era aquele jovem?




Saulo, proveniente da província da Cilícia e cidadão de Tarso, era “hebreu, filho de hebreus da tribo de Benjamim” (Fl 3,5). Altivo, temperamental, e de personalidade forte arrogava-se de representar a elite do Povo Eleito, um dos poucos fieis de Yahvé. Desde nascença manifestava o orgulho de ser um israelita autêntico, depositário da Promessa, e fiel cumpridor da Aliança e da Santa Lei. Todo ele se deixava imprimir por estas três colunas da religião dos filhos de Jacob.


Na idade da adolescência ingressa na famosa escola rabínica de Gamaliel (Act 22,3). Ali dedica muitas e longas horas aos pés do mestre, investigando as Escrituras e aprofundando o estudo da Lei a fim de tornar-se num discípulo brilhante e zeloso. O jovem cresce assim como um fariseu piedoso e dos mais escrupulosos, não aceitando o menor contacto com pagãos. Havia que viver como Judeu entre Judeus, separado de toda a idolatria.


Passa a cumprir o rito de orar sempre com um véu, o ”tailith”, um manto de longas filactérias e os “tefilim” enrolados nas mãos para recitar as dezoito bênçãos. Comia somente alimentos “kosher” para evitar qualquer contaminação com comida impura. Cingia-se também do “tzitzit”, um cinto rodeado de franjas, e sinal exterior que exibia um israelita devoto, e irrepreensível cumpridor dos mandamentos da Lei.


Além de tudo isto crê-se que pertencia a uma facção extremista do fariseísmo, um grupo de conservadores das velhas tradições de Israel, e cumpridores das mais insignificantes minúcias rituais. Estávamos diante de um jovem adepto de uma espécie de “nacional-judaísmo”, ou “extrema-direita” judaica.


Imaginem...

Imaginem só um homem destes, a caminhar pelas ruas de Jerusalém, que de súbito dá de caras com a propaganda sobre uma seita de gente que desprezava o Culto e a Lei? Um Jovem que tinha dedicado toda a sua vida à estrita observância da Torah, fiel frequentador da sinagoga, e educado como fariseu reaccionário que seria capaz de dar a vida ou derramar sangue num "piscar de olhos" pela nação e o "deus" que tanto amava! Claramente era um homem a temer, capaz de qualquer coisa, qualquer uma…para defender a fé judaica.


Ouvir falar dos nazarenos despertara-lhe uma fúria que lhe revirava as entranhas. Simplesmente não suportava a notícia da ressurreição de um amigo de prostitutas, publicanos e estrangeiros…aquele Galileu era um “glutão e beberrão”, desrespeitara inúmeras vezes o Sábado, e arrogara-se de perdoar pecados. Tinha desrespeitado a Lei, a Tradição e o Templo. “É um maldito que mereceu a crucifixão! Como Deus podia ressuscitá-lo??” – pensava ele. “E quem é essa gente que o proclama?Não podem ser nossos compatriotas. São antes um bando de traidores da nação!! Yahvé há-de exterminá-los um por um e, como servo fiel, tornar-me-ei no seu instrumento!”


Como atitude tão típica do seu modo de ser, empenha-se totalmente e sem reservas a esta nova missão: alistando-se na vaga hostil aos nazarenos “Saulo devastava a igreja, entrava nas casas, agarrava homens e mulheres e entregava-os á prisão” (Act 8,3), e como se isso não bastasse “respirava ameaças e morte contra os discípulos do Senhor” (Act 9,11). Aquele inquisidor fanático mais tarde admitiria:



“Foi o que fiz em Jerusalém, com autoridade recebida dos sumos-sacerdotes, punha na prisão muitos consagrados. E quando condenavam-nos à morte, eu dava o meu voto. Muitas vezes nas sinagogas eu maltratava-os fazendo-os blasfemar; e meu futuro cresceu a ponto de persegui-los em cidades estrangeiras.” (Act 26,10-11)


A perseguição de Saulo estava longe de terminar em Jerusalém. O rasto de destruição que deixava atrás de si iria-se propagar muito mais além. Este homem tinha declarado uma guerra de morte aos discípulos e discípulas do Yeshuah de Nazaré…

5 comentários:

Sol da manhã disse...

Olá Gustavo!

Na segunda figura que puseste no post, o que é que é aquela coisa que ele tem na testa?

Na imagem (que aliás é a mesma...)do post do dia 24 os três "senhores poderosos" também têm "aquilo"!

O que é que é "aquilo" preto meio cúbico/meio paralelepípedo? Tem algum simbolismo ou tinha alguma utilidade funcional (não percebo para quê!...)?


Um abraço!

SHALOM

ps.: quanto ao post, está um espectáculo como todos os outros. A mim está a saber-me muito bem fazer esta caminhada!

Anónimo disse...

Só gente de personalidade forte, que não é de meias tintas, que enraiza as suas atitudes fielmente, naquilo em que acredita, dá a essa Fé , tudo de si...
São esses também os que, quando vêem o seu erro, são capazes de arripiar caminho com a mesma força e a mesma convicção...
Gustavo!Só a Ruah é capaz de fazer de nós gente deste calibre...

Gustavo Sousa disse...

Oi Maria! Bem-vinda!

Vá,vamos por partes. Primeiro, aqueles "senhores poderosos" que estão na imagem do dia 24 não são propriamente "senhores" nenhuns senão fariseus. É o melhor que conseguimos arranjar quando procuramos imagens na net. Por isso fiz uma colagem de imagens que correspondesse ao ambiente judaico da época...

Quanto à caixinha...hehehe
é assim, a "caixa" é um invólucro onde os fariseus guardavam sempre ou um pequenino rolo do decálogo (os dez mandamentos)ou a oração do Shemá. Sinceramente, ainda não sei precisar esse ínfimo pormenor. Mas aquele "paralelipípedo", assim como todos os outros acessórios, eram sinais que pretendiam identificar um fariseu como o mais fiel cumpridor da Lei de Moisés.

Obrigado pela tua partilha! Beijinhos e volta sempre.




Glória: é sempre muito bom ver-te por cá. Gente como Paulo é rara, mas isso não significa que a Ruah não possa suscitar de todos, e cada um, discípulos do ressuscitado. Só isso já DIZ MUITO de Deus... e MAIS AINDA de nós!

SHALOM

Sol da manhã disse...

Descobri Gustavo! Descobri!E vim logo partilhar...

Estava aqui a preparar um post para a próxima semana, quando me lembrei "Este livro é que deve ter a explicação da caixinha". Fui procurar et voilá!!!

Nicholas de Lange, Introdução ao Judaísmo (2000), na página 139:

"Teffilin (filactérias) usa-se durante as orações matinais nos dias de semana. Existem duas caixas de pele colocadas na testa e no antebraço, respectivamente, que contêm pequenos rolos de pergaminho nos quais são manuscritas quatro passagens da Tora. Estas quatro passagens (Êxodo 13:1-10 e 11-16; Deuteronómio 6:4-9 e 11:13-21) todas ordenam que as palavras do Senhor devem ser ressaltadas com um sinal no braço e por um símbolo ou lembrança na testa."


Portanto, e senão me enganei a ver... Uma das passagens (Dt 6:4-9) é exactamente o Shemá, como tu pensavas. A explicação do "uso das caixinhas", vem no Dt 11:18 e todas as passagens se bem as entendi falam da obediência a Deus e aos seus mandamentos.

Ehehehehehehehe "para boa me havia da dar!"!!!! Desculpa mas chamou-me mesmo a atenção, hoje, as "caixinhas"! E com isso, acabei por aprender mais um pouco.

Obrigada!!!

SHALOM

Anónimo disse...

"(...)Gravai pois estas minhas palavras no vosso coração e no vosso espírito, atai-as aos braços como um símbolo, trazei-as como filactérias entre os olhos. Ensinai-as aos vossos filhos, repetindo-as quando estiverdes a descansar em casa e quando fordes em viagem, ao deitar e ao levantar. Escrevei-as nas ombreiras da vossa casa e nas vossas portas..."Deut.11,18-21
Sinais levados à letra tornam-se mais importantes quw a própria realidade que querem significar. Por isso muitas vezes ainda hoje nos portamos como judeus cumpridores esquecendo que a primeira recomendação vai directa ao coração do homem. Contentamo-nos em "ser praticantes" das minúcias da lei, em vez de sermos amantes de Deus e do homem...
Não sei se devia ter voltado aqui mas a Maria aguçou-me a curiosidade . Fui ver os textos a que se refere e ...olha...deu nisto. Desculpa!