Neste
Verão tive o privilégio de ler a biografia de Martin Luther King. Faz
precisamente 50 anos desde Agosto, que Martin proclamou o seu famoso discurso
"I have a dream" (eu tenho um sonho). Ao ler sobre a sua vida e os
seus discursos, descobri que o tempo dele não é assim tão diferente do nosso:
um tempo de "crise", conturbado, difícil, dramático. E sobretudo o
que me admira neste homem foi, em primeiro lugar, a forma como defendeu os
direitos cívicos de uma forma não-violenta.
Por
outro lado, a maneira não desistente com que enfrentou todas as contrariedades,
fracassos e poderes instituídos na época, e que eram poderosíssimos. Outra
coisa que me suscitou profunda admiração por este homem, foi descobrir que
afinal ele não defendeu apenas os interesses de uma etnia ou raça. Ele também
se dedicou à causa universal da paz, um forte opositor à guerra do vietname , e
sobretudo nos últimos anos da sua vida, empenhou-se numa luta contra a pobreza
e exclusão social.
Para
mim, sem dúvida este homem foi Profeta. Profeta incómodo, defensor da Justiça,
do direito e dos mais frágeis. Um homem profundamente inspirado pelo Espírito
que se tornou "Evangelho" encarnado em pleno século XX.
Para
mim, Martin Luther King nunca foi tão atual como hoje. Tinha que o partilhar
convosco. Seguem-se uma série de posts. Espero resumir o melhor que sei e
aprendi dele.
Nasce a 29 de Janeiro de 1929, em casa, filho
da professora Alberta King e do pregador Michael King da Igreja Batista de Ebenezer
na cidade de Atlanta. Batizado como Michael King Jr (Júnior), com pouco mais de
dez meses, o pequeno Mike cresce numa América repentinamente destroçada pelo
crash da Bolsa de Wall Street a 24 de Outubro de 1929, provocada pela
especulação financeira desregulada. Seguem-se de imediato as consequências:
centenas e centenas de milhares no desemprego, fábricas e empresas a fechar,
fome, incompetência e corrupção política… E como é apanágio de todas as “crises”,
os mais frágeis são convertidos nas primeiras vítimas.
Dentre elas destacavam-se também os
afro-americanos, desde sempre perseguidos e maltratados pela sua cor de pele.
Desde 1830 a segregação racial americana expressava-se nas leis Jim Crow, que
obrigavam à separação de raças em lugares públicos e privados: bairros,
habitações, escolas, hotéis e pensões, jardins, fontanários, casa de banho
públicas, restaurantes, cafés, universidades, tribunais, etc. Nesse tempo era
comum encontrar à entrada de muitos desses lugares as inscrições: “reservado a
brancos”, “proibido a entrada de negros” ou “pessoas de cor”.
Mas não era o pior. No Sul dos EUA, a maioria
dos americanos brancos alimentava uma cultura de segregação, por vezes até
militante, contra os afro-americanos e outras pessoas de côr. Nalguns casos – e
não raros – chegavam-lhes a ser inflingidos crimes e barbaridades horríveis por
grupos de linchamento: torturas, mutilações, enforcamento, ou imolação onde as
vítimas eram regadas em gasolina para logo a seguir serem queimadas vivas em
público.
As pessoas de côr, nomeadamente os
afro-americanos, não tinham direitos, não podiam votar, e na esmagadora maioria
não tinham acesso a condições mínimas de higiene, habitação, cuidados de saúde,
ao ensino superior ou a um emprego digno. Por vezes as vozes da “supremacia
branca” sulista encorajava a turba a exercer atos de violência para - passo a
citar um jornalista da época -: “manter os pretos submissos”.
Afinal a abolição da escravatura americana no
séc. XIX, era na prática um embuste, uma ilusão. E foi este o tempo e o ambiente
onde cresceu o pequeno Mike. Protegido no ambiente propício duma comunidade negra
Batista, com um pai como líder religioso, Mike foi poupado dos horrores da
perseguição racista no Sul.
A origem do nome “Martin Luther” veio do pai
King. Em 1934 viajou pela Europa e, ao conhecer mais profundamente a vida e
obra de Martinho Lutero (Martin Luther),no regresso a Atlanta mudou o seu nome
e o do filho para Martin Luther em honra do teólogo protestante. Nessa altura
Mike também passou a ser chamado M.L., embora ainda ninguém o tratasse por
Martin Luther King Jr. (Júnior).
O pai King ensinava na sua comunidade, e a Mike
desde a infância, que todos eram filhos de Deus, e ninguém devia ser privado da
sua dignidade. Encorajava os filhos a não frequentar – tanto quanto possível –
lugares segregados, pois segundo ele, eram contrários à vontade de Deus e
contra a “ordem moral”. Certa ocasião a família King entrou numa sapataria e
foram avisados que tinham de sentar-se na secção reservada a negros, lá no
fundo da loja. Mas o pai King confrontou o dono da loja dizendo: “Não vejo
nenhum problema com estas cadeiras”; ao que o dono retorquiu: “lamento. Mas vão
ter de sair daí”. O pai King insistiu: “Ou compramos sapatos aqui sentados, ou
não compramos sapatos”. Foram expulsos da loja, mas o pequeno Mike viu o pai
com um ar imperturbável e digno dizendo: “Não me interessa quanto tempo terei
de viver com este sistema, jamais o aceitarei”.
Entretanto o pequeno Mike foi crescendo neste
ambiente, contagiando-se pela paixão da pregação do seu pai. Isso estava-lhe “no
sangue”. Provinha duma família de pregadores, e era isso mesmo que tinha sido
incutido pela família. Um dia seria o sucessor de seu pai à frente da Igreja de
Ebenezer – assim o esperavam o pai e o avô King (também pregador).
Mike gostava de ler, e já na adolescência treinava
discursos ao espelho, com os trajeitos e linguagem gestual, entoação, pausas de
voz, e outras técnicas passadas de geração em geração, e tão caraterísticas da
tradição das Igrejas protestantes e dos espirituais negros.
Inspirado nos conselhos do pai, sempre que
podia e de maneira atrevida e subversiva, usava elevadores onde se lia “reservado
a brancos” e evitava sempre viajar nos autocarros segregados. Aos 15 anos,
participou orgulhoso num concurso público de discursos intitulado “O Negro e a
Constituição”. Testemunhos relatam que arrebatou o auditório com a forma como
defendeu tão bem a Constituição Americana e o direito dos negros nela
consagrada. Isto num tempo, em que não convinha a ninguém defender a
Constituição num ponto tão “sensível” ao dito “interesse público” (enfim,
coisas só “desse tempo” não?)
Já muito jovem, Martin Luther King Jr. revelava-se
promissor, e com uma personalidade rebelde, por vezes até, irritando o Pai King
com a sua irreverência e força de caráter…
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