quinta-feira, 26 de março de 2009

"OS TEUS PECADOS ESTÃO PERDOADOS" [2]


Israel há muito tempo que aguardava com grande expectativa a chegada de um Reino Messiânico. O Dia da Consolação haveria de manifestar-se como a vinda definitiva de Deus. E não viria como tantas outras intervenções na história de Israel, porque dessa vez Ele vinha para ficar! Nesses dias cessariam as guerras e todos os inimigos do Seu Povo reconheceriam a vitória de Yahvé. Assim, uma vez entronizado no monte Sião em Jerusalém, Ele haveria de inaugurar um Banquete magnífico. Seria o convite dos últimos tempos dirigido a todas as raças, línguas e nações:


«O Senhor dos exércitos oferece a todos os povos, neste monte, um banquete de manjares suculentos, um banquete de vinhos depurados, comidas gordurosas, vinhos generosos. Neste monte arrancará o véu que cobre todos os povos, a cortina que encobre todas as nações: e aniquilará a morte para sempre. O Senhor enxugará as lágrimas de todos os rostos e afastará da terra inteira o opóbrio do seu povo.» (Is 25, 6-8).


Esta belíssima profecia de Isaías anuncia o sonho de uma refeição universal oferecida não só a Israel, mas também ao resto do mundo. É uma profecia que nos fala de uma Boda de Salvação e inauguração de um tempo de Paz e Perdão para todos os povos. Os estrangeiros, outrora cegos, reconheceriam agora o único e verdadeiro Deus. A morte seria destruída, dando lugar a uma vida abundante, alegre e sem dor oferecida a todos os convidados.

O sinal do triunfo de Deus não seria somente a restauração do reinado de Israel, mas antes a reconciliação e a cura de toda a humanidade oferecida num Banquete.

Só mesmo Isaías podia sonhar assim, em grande…era sem dúvida o sonho mais caprichoso e ousado que alguma vez um profeta tinha concebido. De tantos outros sonhos e visões, talvez este estivesse mais próximo do desejo que ardia no coração do Abba…





A vida de Jesus pautou-se sempre por gestos proféticos. E os mais significativos foram certamente a expressão do grande Isaías. Por isso, ao convidar e sendo convidado à mesa de muita gente, Jesus não se limitava a criar ou fortalecer laços de intimidade…


A comunhão de mesa que partilhava com os marginais e pecadores foi sem dúvida o SINAL mais evidente da proclamação do Perdão!

Este acto de convivialidade não era inocente nem neutro. Revestia-se de uma intencionalidade que culminava na realização do Banquete de Isaías. Contudo, se para os rejeitados de Israel estas refeições eram um acontecimento libertador, para outros constituía um escândalo:


«Encontrando-se Jesus à mesa em sua casa, numerosos cobradores de impostos e outros pecadores vieram e sentaram-se com Ele e seus discípulos.Os Fariseus, vendo isto, diziam aos discípulos: «Porque é que o vosso Mestre come com os cobradores de impostos e os pecadores?» Jesus ouvi-os e respondeu-lhes: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes.Ide aprender o que significa: Prefiro a misericórdia ao sacrifício. Porque eu não vim chamar os justos, mas os pecadores.» (Mt 9,10-13)




O choque e a indignação dos fariseus não se justificavam somente pela quebra das normas de pureza ritual. Era algo mais…
No mundo antigo oriental, partilhar a refeição na casa de alguém significava uma das honras maiores e das melhores expressões de amizade que se podiam manifestar! Especialmente entre Judeus, a mesa tinha um carácter sacral. Uma refeição partilhada com convidados implicava a formação de uma comunidade diante de Deus. Mas Jesus atrevia-se a constituir uma “comunidade sagrada” com… pecadores.
A ruptura desta tradição ancestral e patriarcal constituía uma blasfémia grave e subversiva dirigida directamente ao “Deus da Lei”.

Porém, Jesus tem de romper com estas “tradições” exclusivistas e puramente humanas de separação social para dar cumprimento à grande Tradição profética de um Deus Salvador. Um Deus inclusivo que Salva acolhendo e reunindo em primeiro lugar todos os seus “filhos famintos” para uma mesa farta e abundante.


Como sempre, os líderes religiosos, insistindo na autoridade das suas tradições, rejeitam este horizonte profético, e de coração endurecido, acabam por atribuir ao Mestre de Nazaré o título infame de «comilão e beberrão» (Lc 7, 31-35).


Jesus porém está a abrir um convite irresistível a todos, começando precisamente pelos «não-convidados» do seu tempo. Assim torna-se no comensal e anfitrião por excelência de muitas ceias.
Senta-se com eles, à vontade e à mesma mesa saciando-lhes a fome de acolhimento e aceitação. Com alegria e proximidade, fala-lhes de um Pai de Misericórdia e Bondade e toma a iniciativa de abençoar os alimentos, partilhando com eles a convivência favorável, o Perdão, e a amizade incondicional de Deus. Quase que podemos captar neste gesto memorável as palavras do Mestre: “o que faço aqui, em convívio de mesa, a partilhar a minha alegria e a partir-vos o Pão, é o que Deus mesmo está a fazer convosco! Ele está a abençoar-vos, a servir-vos e a tratar-vos como os seus convidados de honra.




Neste gesto de Jesus, em comunhão de mesa com pecadores, também estava implícito um sinal Real. Se, por exemplo, um Rei convidasse um prisioneiro importante a comer à sua mesa significava conceder-lhe uma amnistia. Exprimia um acto público de reabilitação de um cativo!
O segundo livro dos Reis conta-nos como o rei da babilónia concedeu amnistia a Joaquin de Judá (2 Re 25,27-30). Concedeu-lhe privilégios, e até um lugar de destaque relativamente a outros cativos na Babilónia. Mudou-lhe a roupa de prisioneiro, pagou-lhe uma pensão diária e o fez comer à sua mesa. Enquanto viveu, ninguém podia tocá-lo ou maltratá-lo pois estava sob protec
ção real, apadrinhado como amigo pessoal do Rei.
Jesus ao comer com os pecadores anuncia publicamente e com autoridade que já chegou o Rei de Israel! Um Rei com o poder soberano de libertar os cativos dos fardos pesados da Lei, os anawîm. Chegou o tempo da Salvação e da Graça! Deus já preparou um Banquete e convida os pecadores à sua Mesa para lhes conceder uma amnistia incondicional diante de todo o Israel. Oferece-lhes protecção, e está a reabilitá-los, partilhando com eles a sua realeza e intimidade: deixaram de ser escravos, para agora se tornarem Filhos! Deus é um Senhor e um Pai que teima, que “manda” e ordena fazer Festa com poder e autoridade Reais:


«Trazei a melhor túnica e vesti-o; colocai-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei um vitelo gordo e matai-o. Celebremos um banquete. Porque este meu filho estava morto e voltou à vida. Tinha-se perdido e foi encontrado» (Lc 15,22-24);


«O dono da casa, irritado, disse ao servo: Sai depressa até às praças e ruas da cidade, e traz pobres, mutilados, cegos e coxos. O servo lhe disse: Senhor, foi feito o que ordenaste, e ainda sobra lugar. O Senhor disse ao servo: então sai pelos caminhos e veredas e obriga-os a entrar, até que se encha a casa» (Lc 14, 21-23)


«Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de hospedar-me em tua casa» (Lc 19, 5)


É belíssimo como este gesto de Jesus começa a criar fama, atraindo e aproximando os abandonados de Israel a convívios de mesa onde antes jamais seriam aceites. Lucas conta-nos que este “à vontade” de Jesus com
os pecadores públicos era tão célebre que, sendo convidado à mesa do Fariseu Simão, é visitado por uma mulher de “má fama” que não hesita em lá entrar mesmo sabendo que estava expressamente proibida disso. Ela não tem medo de ser apedrejada, nem sente-se perturbada por invadir a casa de um Fariseu porque estava lá Jesus!!
E isso lhe bastava…

«Por isso, eu te digo, seus numerosos pecados lhe são perdoados, porque ela muito amou
E disse a ela:
- Teus pecados estão perdoados.
Os convidados começaram a dizer entre si:
- Quem é este que até perdoa pecados?
Ele disse à mulher:
- Tua Fé te salvou. Vai em paz.»
(Lc 7, 47-50)

Abster-se desta corrente de Perdão e acolhimento é rejeitar o convite comensal de Jesus. Isso é fatal, porque significa entrar no caminho do malogro. Os fariseus e doutores da Lei ao negar entrar na convivialidade gratuita do Senhor da Mesa, recusam a Salvação que julgavam garantida pelos seus méritos. Jesus adverte-os que aqueles que se colocam fora da lógica da Graça e do Amor são adversários do evangelho e morrerão no seu pecado. Não é Deus que os castiga, mas antes a consequência da sua recusa:

«Atai-lhe pés e mãos e lançai-o fora nas trevas. Aí haverá pranto e ranger de dentes. Pois são muitos os convidados e poucos os escolhidos». (Mt 22,14)

É uma linguagem dura, é certo, mas deve ser interpretada como um clamor à urgência e à oportunidade deste convite que deve ser irrecusável. É bom demais para ser rejeitado!! Tem que se entrar nele! O tempo favorável está à porta e quem está atento e vigilante sentar-se-á no Banquete:

«Felizes os servos que o dono, ao chegar, encontrar vigilantes: eu vos asseguro que se cingirá, os fará sentar-se à mesa e os servirá» (Lc 12,37).

A partir de agora está aberto o Banquete Nupcial do fim dos tempos que anuncia uma Nova Aliança, o Casamento definitivo de um Deus-Noivo que desposa bons e maus, pagãos e judeus, pecadores e justos…
A mesa universal da reconciliação está aberta para TODOS.
É a oportunidade imperdível da Festa, em que já não pode haver lugar para sacrifícios, penitências, jejuns ou recusas.
Chegou a hora das Bodas de Canãa e da Alegria do Vinho Novo.
O melhor ficou reservado para o fim!
A plenitude dos tempos foi inaugurada porque um Filho nos foi dado:
«Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo se salve por meio dele» (Jo 3,17)
Não para condenar,
Mas para SALVAR…
Para SALVAR



“SALVAR”…uma palavra tão densa de significado, expressando mil e uma coisas…
…e todas elas acções de Deus:

ACOLHER, ABRAÇAR, ADOPTAR, SENTAR-SE À MESA, PARTILHAR O PÃO, SARAR, TRAZER ALEGRIA, LIBERTAR, REABILITAR, CUIDAR, FAZER FESTA, ELEGER, CONFIAR, DAR VIDA, ENTRAR EM CASA,
e muito…
muito mais …