Martin, atirado para uma cela solitária julgava-se no fim da linha.
Contudo, no dia seguinte, foi transferido para uma cela vulgar, com direito a
contactar a sua mulher, Coretta, e seus advogados. Graças à
intervenção do Presidente John F. Kennedy, que contactara pessoalmente a
polícia municipal de Birmingham, Martin Luther King gozava agora de proteção.
Contudo permanecia detido.
Mais tarde diria: "Durante mais de vinte e quatro horas
mantiveram-me incomunicável, numa solitária. Ninguém estava autorizado a
visitar-me, nem mesmo os meus advogados. Foram as horas mais longas, frustantes
e revoltantes que alguma vez vivi."
Entretanto, Martin recebe uma carta dos líderes religiosos de
Birmingham (protestantes, católicos , entre outros) apelando que King
terminasse com as manifestações, e reforçando a ideia de que era
urgente "paciência", "negociação" e outras
formas de protesto mais "moderadas".
Martin, que acima de tudo vivera as manifestações na pele, resoluto, decide
escrever uma carta de resposta. Sem direito a folhas de papel,
improvisou, à rebelia do estabelecimento prisional, escrever nas margens de
jornais usados e em rolos de papel higiénico a sua carta. Depois,
clandestinamente passou-a de mão em mão na prisão, até sair de lá e
chegar aos destinatários. Ali mesmo naquela prisão, Martin escreveu
uma das mensagens mais inspiradas, frontais e marcantes da sua campanha pela
justiça e liberdade.
Excertos da 1ª parte da carta:
Encarcerado
na prisão municipal de Birmingham, fui confrontado com a vossa recente
declaração, onde consideram as minhas actividades recentes como “insensatas e
inoportunas”. (…)
Acho
que devo começar por explicar-vos a razão da minha presença em Birmingham, já
que verifico que vocês foram influenciados pela ideologia que é contra os
“intrusos que vêm de fora”. (…) Há vários meses a nossa filial de Birmingham
pediu-nos que preparássemos para participar num programa de ação direta
não-violenta se esta viesse a revelar-se necessária. De imediato acedemos a
esse pedido, e na altura própria cumprimos a nossa promessa.(...)
Mas mais importante que tudo, estou
em Birmingham porque a injustiça está cá. Do
mesmo modo que os profetas do século VIII a.C. deixaram as suas aldeias para
levar a sua “palavra do Senhor” muito para além dos limites das suas terras
natais, e do mesmo modo que o apóstolo Paulo deixou a sua aldeia de Tarso para
levar o evangelho de Jesus Cristo às longínquas paragens do mundo greco-romano, também eu me vejo na obrigação de
levar o evangelho da liberdade para fora das fronteiras da minha cidade natal.
(…)
Não posso ficar tranquilamente em Atlanta sem me preocupar com o que se passa
em Birmingham. A
injustiça onde quer que ocorra, é uma ameaça à justiça em todos os lugares.
Estamos presos numa rede de relações mútuas a que não podemos fugir, o destino
a todos envolve num único manto. O que
quer que afete um, diretamente, afeta a todos, indiretamente. Não mais nos
podemos dar ao luxo de viver segundo a ideia mesquinha e provinciana do
“agitador vindo de fora”. (…)
Vocês criticam as manifestações que se têm realizado em Birmingham. Mas a vossa
declaração, lamento dizê-lo, não exprime a mesma preocupação face à situação
que está na origem dessas manifestações.
(…)
Organizámos uma série de sessões de trabalho sobre o tema da não-violência e
repetidas vezes pusemos a nós próprios a pergunta: “Estás preparado para receber
ofensas e não responder com agravos?” “estás preparado para suportar as duras
provas da prisão?”
Podem
perguntar: “Porquê ação direta? Porquê ocupações de instalações, marchas e
outras iniciativas do género? Não é preferível a via da negociação?” Tendes
toda a razão em apelar à negociação. Aliás, esse é o verdadeiro objetivo da
ação direta. Com a ação direta
não-violenta pretende-se criar uma crise tão grande e uma tensão forte que
forcem uma comunidade que sistematicamente se recusa a negociar a encarar a
situação. Pretende-se
dramatizar a situação para que deixe de ser possível ignorá-la. Talvez vos choque o facto de eu
mencionar a criação de tensão como fazendo parte do trabalho do resistente
não-violento. Mas devo confessar-vos que não tenho medo da palavra “tensão”. Sou decididamente contra a tensão
violenta, mas há um tipo de tensão
construtiva, não-violenta que é necessário para se poder avançar. (…)
Meus amigos, quero dizer-vos que nunca conseguimos nada em termos de direitos
civis sem a ajuda duma pressão determinada, legal e não-violenta. Lamentavelmente, a história
mostra-nos que raramente os grupos privilegiados abrem voluntariamente mão dos
seus privilégios. (…)
Sabemos por dolorosa experiência própria
que o opressor nunca concede voluntariamente a liberdade; tem de ser o oprimido
a reivindicá-la. (…) Há
anos que ouço a palavra “Espera!”. Ela ressoa nos ouvidos de todos os Negros
com uma familiaridade penetrante. Esta
palavra “Espera” quase sempre quer dizer “Nunca”. Não podemos deixar de
constatar, com um dos nossos distintos juristas, que “justiça muito adiada é
justiça negada”. (…)
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