Para
quem nunca sentiu no corpo as farpas da segregação talvez seja fácil dizer “Espera”. Mas para quem viu multidões
perversas linchar-lhe sem dó nem piedade pai e mãe e afogar a seu bel-prazer
irmãos e irmãs; quem viu polícias dominados pelo ódio insultar, espancar e
mesmo matar os seus irmãos e irmãs negros; quem vê a esmagadora maioria de
vinte milhões de Negros seus irmãos sufocar numa asfixiante bolha de pobreza no
meio duma sociedade próspera; (…) – para esses é fácil compreender porque razão
nós temos dificuldade em esperar. Chega uma altura em que o copo
da paciência transborda e os homens não mais querem ver-se mergulhados no
abismo do desespero. Espero, meus
senhores, que sejam capazes de compreender a nossa legítima e inevitável
impaciência.
(…) tenho de
confessar que nos últimos anos os Brancos moderados me desiludiram muito. Cheguei à lamentável conclusão de que o
grande obstáculo que o Negro enfrenta na sua caminhada para a liberdade não é o
membro do Conselho dos Cidadãos Brancos, ou do Ku Klux Klan, mas sim o Branco
moderado, que preza mais a “ordem” do
que a justiça; que prefere a paz negativa que é ausência da tensão à paz
positiva que é a presença da justiça; (…) que duma forma paternalista acha
que pode ser ele a definir o calendário para a libertação de outro homem (…). É mais frustrante a compreensão
superficial à gente de boa vontade do que a incompreensão absoluta de gente de
má vontade. É muito mais irritante uma aceitação morna do que uma rejeição
firme. (…)
Quem
desobedece a uma lei injusta tem de fazê-lo de forma aberta, convicta e na
disposição de aceitar as consequências do seu ato. Entendo que uma pessoa que
infringe uma lei que em consciência considera injusta, e está pronta a aceitar
a pena de prisão para assim alertar a consciência da comunidade para essa
injustiça, está na realidade a dar provas do maior respeito pela lei.
Permiti-me
que vos dê conta da minha outra grande decepção. Fiquei profundamente
decepcionado com a Igreja branca e seus dirigentes. (…) Fiquei desapontado com
a Igreja. Não estou com isto a querer alinhar com aqueles críticos negativos
que têm sempre algum erro a apontar à Igreja. Falo apenas como ministro do evangelho
que ama a Igreja; que foi criado no seu seio; que se amamentou das suas bênçãos
espirituais e se irá manter fiel a ela enquanto tiver um sopro de vida. (…)
No meio duma luta implacável para acabar
com a injustiça racial e económica no nosso país, ouvi muitos pastores dizer: “são questões sociais, com as quais o
evangelho não tem nada a ver”. E vi muitas igrejas dedicarem-se a uma
religião do outro mundo que faz uma distinção estranha, que a Bíblia não
suporta, entre o corpo e a alma, entre o sagrado e o profano. (…)
Muitas vezes perguntava a mim
próprio: “que espécie de fiéis vem rezar
aqui? Que Deus é o deles? Onde
estavam as suas vozes quando os lábios do Governador destilaram palavras de
interposição e aniquilação? (…) Onde estavam as suas vozes de apoio quando os
Negros, homens e mulheres, maltratados, exaustos, decidiram erguer-se das
negras masmorras da complacência para subir as radiosas colinas do protesto
criativo?”
Pois bem, estas perguntas continuam
a bailar-me no espírito. Profundamente decepcionado, tenho chorado perante o
laxismo da Igreja. Mas podeis ter a certeza que as minhas lágrimas são lágrimas
de amor. Não pode haver decepção profunda onde não há amor profundo. Sim, eu
amo a Igreja. (…)
Tempos houve em que a Igreja tinha
muita força – foram os tempos em que os primeiros cristãos rejubilavam por se
sentirem dignos de sofrer por aquilo que acreditavam. Nesses tempos a Igreja
não era um mero termómetro que registava as ideias e princípios da opinião
pública; era um termostato que transformava os costumes da sociedade. Sempre
que os primeiros cristãos punham os pés numa cidade, os detentores do poder
entravam em pânico e imediatamente tratavam de mandar prender os cristãos
acusando-os de serem “perturbadores da
paz” e “intrusos agitadores”. (…)
Agora as coisas são diferentes. (…)
Longe de se sentirem perturbadas pela presença da Igreja, as instâncias do
poder duma comunidade normal sentem-se reforçadas pela aprovação tácita –
quando não mesmo expressa – que a Igreja dá ao atual estado de coisas.
(…)
Durante mais de dois séculos, os nossos antepassados trabalharam sem salário
neste país;(…); construíram as casas de seus senhores suportando as maiores
injustiças e a mais vergonhosa humilhação – e mesmo assim deram provas duma
vitalidade inesgotável e continuaram a crescer e a multiplicar-se. Se as inomináveis crueldades da escravatura
não conseguiram travar-nos, DE CERTEZA que também não vai ser a oposição que
agora enfrentamos a consegui-lo.
(…) Vocês felicitam calorosamente a polícia
de Birmingham por ela manter a “ordem” e “prevenir
a violência”. Duvido que a tivessem felicitado da mesma forma calorosa se
tivésseis visto os seus cães ferrar os dentes em Negros desarmados e
não-violentos. Duvido que vocês fossem tão apressados a felicitar a polícia se
vissem o tratamento indigno e desumano que ela dá aos Negros aqui, na prisão
municipal; se a vissem empurrar, insultar as mulheres negras, velhas e novas;
(…) se a vissem recusar-nos comida, como aconteceu duas vezes, só porque nós
queríamos cantar (…).
Nunca na minha vida tinha escrito uma carta
tão longa. Receio mesmo que seja demasiado longa para o vosso precioso
tempo. Posso garantir-vos que teria sido
bem mais curta se tivesse sido escrita numa mesa confortável, mas o que é que
um homem pode fazer quando está sozinho numa cela exígua, a não ser escrever
cartas longas, ter pensamentos longos e rezar orações longas? (…)
Vosso
pela causa da Paz e da Fraternidade
Martin
Luther King Jr.