
O Baptismo de João despertara em Jesus a consciência de ser o profeta do Reino de Deus. Este Reino Messiânico passa a ser a fonte dos seus critérios, das suas expectativas e escolhas, a ponto de identificar-se com toda a sua vida. Por isso, um Reino que não teve nada de abstracto, de dogmático ou esotérico. É inaugurado nele, incarna nele, e nele manifesta-se em plenitude, na lógica e nas acções que o constituíram como Messias e Salvador:
- Chamou discípulos e nomeou doze
A primeira coisa que Jesus se deu conta, ainda antes de iniciar a sua missão, era que o Reino de Deus não se construía sozinho mas em dinâmica fraternal. Ele sonhava constituir uma rede humana com a força suficiente pa

Um facto inédito no seu tempo era que alguém escolhesse discípulos, uma vez que os mestres e rabis é que eram escolhidos pelos discípulos que decidiam segui-los. Contudo, ele não hesita em convocar colaboradores e seguidores para o acompanhar. Um sinal muito próprio dessa escolha é a eleição dos Doze de entre os discípulos, dado que são eles a formar um novo Israel. Assim a comunidade dos Doze reúne a força simbólica das doze tribos de Israel que são refundadas para constituir um Povo construtor do Reino. Jesus reúne-os para proclamar a Boa Notícia do Reino de Deus.
- Perdão dos pecados e proximidade com os pecadores e marginalizados
Se para Jesus o Reino de Deus é uma Boa Notícia, então tinha de chegar primeiramente àqueles cuja vida não era “boa notícia”; e que estava sobretudo marcada pelo sofrimento e o abandono. Dirige-se a prostitutas, publicanos, pobres e marginais: gente de coração partido, encadeados e tristes, esmagados pelo fardo da culpa que a sociedade lhes impunha. A compaixão de Jesus move-o a procurar amizade junto destes a quem chama de Irmãos, anunciando pela sua proximidade um Deus que proclama o Perdão dos pecados. Perdão que traz a libertação das amarras da culpa, e manifestado nas atitudes de misericórdia e amor que derrotam todas as forças do mal, todos os “demónios” da violência, do egoísmo, indiferença e solidão. Um Perdão que faz acontece

Esta Gente de má fama não era convidada a participar nas festas religiosas do seu povo, estavam impedidos de entrar nas sinagogas, e proibidos de prestar culto no Templo. Pura e simplesmente era-lhes negado o acesso a todos os rituais de purificação e de bênção. Jesus contudo escandaliza tudo e todos sentando-se à mesa com eles. E é nessas refeições de convívio com os “não-convidados” do seu tempo que ele manifesta as celebrações antecipadas do Banquete do Reino a acontecer. Jesus compara o Reino de Deus a um grande Banquete onde todos estes últimos seriam os primeiros a sentar-se na mesa, e o próprio Senhor os haveria de servir! Chegara o tempo da boda, porém, para surpresa e indignação de muitos, estava aberto primeiramente para os “ímpios”.
- As Bem-Aventuranças: poder transformador de Deus na história
A predilecção de Jesus para com os aflitos e rejeitados está especialmente patente na sua proclamação das Bem-Aventuranças, aquilo a que podemos designar como a declaração fundamental ou a “Carta Magna” do Reino de Deus. Ela constitui uma novidade absoluta em toda a tradição bíblica, e constituí o princípio do fim das velhas lógicas da realidade.
Para a grande maioria dos judeus do seu tempo há muito que a injustiça dominava o mundo. Constatam que eram sempre os fracos e justos que sofriam nas mãos dos poderosos e ditadores cuja vida era próspera. E ainda que muitos aspirassem a ideais como a paz, a justiça, e a liberdade, reconheciam que não passavam disso mesmo: ideais de uma utopia. Porém, Jesus perante esse mundo vencido por forças opressoras anuncia um acontecimento salvador, convertendo a utopia em realidade:"Felizes os pobres porque deles é o Reino! Felizes os famintos porque serão saciados. Felizes os que choram porque serão consolados. Felizes os que sofrem por amor da justiça..."
Eis uma mensagem nova que supera a antiga tradição sapiencial onde se proclamavam os ditosos como “os bonzinhos”, ou os eticamente respeitados. Os bem-aventurados já não são aqueles que “comem do trabalho das suas mãos”, “os que se guardam dos vícios”, ou os “virtuosos que têm uma vida honrad

Assim vemos que a justiça das Bem-Aventuranças de Jesus não é imparcial, mas preferencial: aquela que toma partido em primeiro lugar pelos débeis, os desvalidos, e os pobres, e portanto a mesma que marca o fim de todos os privilégios dos que se elevavam à sua custa. Uma justiça eficaz que não é limitada nem retardada pelas nossas imperfeições humanas, mas antes instaurada e restaurada pelo poder salvador de Deus: "O que é impossível aos homens, é possível a Deus" (Lc 18,27). Sim, são as Bem-Aventuranças que anunciam um poder que transforma a história humana para “virar do avesso” todas as desigualdades e injustiças; por isso Jesus nunca as proclamou como um prémio de consolação para uma “vida no Além”. Pelo contrário, anuncia nelas a Boa Notícia de um poder real e concreto que já chegou, que está aí a libertar e salvar, que está aí a actuar, aqui e agora, nos seus gestos e atitudes.
- O mandamento do Amor
Na base das Bem-Aventuranças e na proximidade de Jesus para com os oprimidos está o mandamento do Amor. Já não são os incensos, os sacrifícios, o culto, as normas da Lei, ou as penitências que valem por si mesmas. Jesus reúne toda a Lei e profecia no Amor a Deus e ao Próximo como caminho de vida, e critério último de construção do Rein

Acabaram as fronteiras do sagrado e do profano, terminaram os limites da razoabilidade e do “bom senso”, e esgotaram-se os critérios moralistas para distinguir “os próximos” dos “não próximos”. A partir de agora o próximo é aquele de quem me aproximo por iniciativa e bem-querer, disposto ao risco e ao imprevisível, sem reservas! Tudo isso é a proposta de uma nova Ordem de relações marcadas pela Graça de Deus que inaugura um jeito novo de amar: “amai-vos como eu vos amei”.
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