
« A antiguidade viveu sob o sinal da fatalidade (Factum, moira [destino], …). Ao fim, tomadas as coisas ao pé da letra, não há nada a fazer. O próprio Zeus [o maior e mais poderoso dos deuses gregos] viu-se submetido a uma espécie de Lei que se impõe e contra a qual ele nada podia.
Certamente, a Grécia possuía a noção de liberdade e inclusive, foi a que iniciou o longo e difícil caminho da liberdade (…). Mas depressa esta liberdade é derrubada e vencida. Sem dúvida isto ocorreu assim com os gregos pois, para eles, quase tudo se joga entre o azar e a necessidade. Deste modo a liberdade se vê aprisionada por duas forças maiores. Não há salvação.
Parece claro que foi precisamente pela ideia da salvação e, de modo particular e paradoxalmente, pela ideia de pecado, que o cristianismo criou esta brecha de liberdade e da libertação da fatalidade da história.
E o que significa o pecado? Que o mal, ao menos por uma parte - uma vez que somos também vítimas de adversidades que não implicam a nossa responsabilidade - depende do homem. E isso significa que ele é responsável. Além disso, posto que se trata definitivamente de um acidente histórico e não de um produto da natureza, o homem, em princípio, pode não cometê-lo ou não voltar a cometê-lo, em nenhum caso se trata duma fatalidade.
Portanto, o mal não é algo monumental, fora de série, impossível de deter. O homem não está submetido como se fosse escravo do destino. O pecado é um mal responsável, atribuível ao domínio pessoal, que poderia não ter sido cometido.
Isto é dizer que o pecado, em certo sentido, não é mais que um pecado e o homem não se define irremediavelmente pelo mal. O cristianismo leva-nos a dizer ao rapaz que roubou: efectivamente, tu roubaste; mas tu não és um ladrão. (…). Sim, tu drogaste-te; mas não és um drogado. O criminoso não tem que ser reduzido ao crime cometido.
Sabemos que Caim, no Génesis, recebe um sinal na sua fronte; mas esse sinal não lhe é posto para desqualificá-lo para sempre; pelo contrário, Deus o imprime para recordá-lo que ele permanece protegido e amado por Deus (…).
Interpretamos a resignação perante o destino como uma sabedoria tolerável. É precisamente a ideia de salvação que chega em contracorrente desta “sábia resignação” ou deste desastroso submetimento ao destino. Que significa, com efeito, a ideia de salvação senão precisamente que nada é irremediável; que tudo pode ser sempre repetido, reiniciado, voltar a partir do zero; que nada se perde definitivamente, que tudo pode ser salvo?
(…) Ao falar, ao pensar e ao actuar deste modo, o cristianismo desfatalizou positivamente a história do homem. Inclusivé no que diz respeito não só ao pecado, mas também à adversidade (injustiças de nascimento, etc.). Na antiguidade esse mal que cai sobre o homem é atribuído de modo irremediável ao destino, a forças das quais ninguém se podia libertar.
A ideia de salvação implica que as coisas não são necessariamente como aparentam, nem são destinadas a permanecer tal como estão.
“O que o nascimento fez de vocês pode ser apagado”. Com outras palavras, o mal pode ser abatido e derrotado. Pode ser abatido e derrotado nos sentidos da palavra “poder”: tem-se o direito, e não é um sacrilégio, nem um atentado contra os deuses, mas antes um confronto com o mal; e se tem a capacidade: há uma força em nós capaz de confrontar-se com o mal e destruí-lo. Não há nenhuma culpabilidade em querer abater e derrotar o mal, muito pelo contrário; encontramo-nos incluídos e associados à vontade e ao poder de Deus.
(…) Seguramente Deus não suprimiu o mal, mas antes desfez a sua tirania: o mal não deve exercer sobre nós nenhum fascínio, nenhuma coacção, nenhum medo, nada que nos possa impedir de atacá-lo porque o consideramos um poder intolerável. »

Parece claro que foi precisamente pela ideia da salvação e, de modo particular e paradoxalmente, pela ideia de pecado, que o cristianismo criou esta brecha de liberdade e da libertação da fatalidade da história.
E o que significa o pecado? Que o mal, ao menos por uma parte - uma vez que somos também vítimas de adversidades que não implicam a nossa responsabilidade - depende do homem. E isso significa que ele é responsável. Além disso, posto que se trata definitivamente de um acidente histórico e não de um produto da natureza, o homem, em princípio, pode não cometê-lo ou não voltar a cometê-lo, em nenhum caso se trata duma fatalidade.
Portanto, o mal não é algo monumental, fora de série, impossível de deter. O homem não está submetido como se fosse escravo do destino. O pecado é um mal responsável, atribuível ao domínio pessoal, que poderia não ter sido cometido.
Isto é dizer que o pecado, em certo sentido, não é mais que um pecado e o homem não se define irremediavelmente pelo mal. O cristianismo leva-nos a dizer ao rapaz que roubou: efectivamente, tu roubaste; mas tu não és um ladrão. (…). Sim, tu drogaste-te; mas não és um drogado. O criminoso não tem que ser reduzido ao crime cometido.
Sabemos que Caim, no Génesis, recebe um sinal na sua fronte; mas esse sinal não lhe é posto para desqualificá-lo para sempre; pelo contrário, Deus o imprime para recordá-lo que ele permanece protegido e amado por Deus (…).
Interpretamos a resignação perante o destino como uma sabedoria tolerável. É precisamente a ideia de salvação que chega em contracorrente desta “sábia resignação” ou deste desastroso submetimento ao destino. Que significa, com efeito, a ideia de salvação senão precisamente que nada é irremediável; que tudo pode ser sempre repetido, reiniciado, voltar a partir do zero; que nada se perde definitivamente, que tudo pode ser salvo?
(…) Ao falar, ao pensar e ao actuar deste modo, o cristianismo desfatalizou positivamente a história do homem. Inclusivé no que diz respeito não só ao pecado, mas também à adversidade (injustiças de nascimento, etc.). Na antiguidade esse mal que cai sobre o homem é atribuído de modo irremediável ao destino, a forças das quais ninguém se podia libertar.
A ideia de salvação implica que as coisas não são necessariamente como aparentam, nem são destinadas a permanecer tal como estão.
“O que o nascimento fez de vocês pode ser apagado”. Com outras palavras, o mal pode ser abatido e derrotado. Pode ser abatido e derrotado nos sentidos da palavra “poder”: tem-se o direito, e não é um sacrilégio, nem um atentado contra os deuses, mas antes um confronto com o mal; e se tem a capacidade: há uma força em nós capaz de confrontar-se com o mal e destruí-lo. Não há nenhuma culpabilidade em querer abater e derrotar o mal, muito pelo contrário; encontramo-nos incluídos e associados à vontade e ao poder de Deus.
(…) Seguramente Deus não suprimiu o mal, mas antes desfez a sua tirania: o mal não deve exercer sobre nós nenhum fascínio, nenhuma coacção, nenhum medo, nada que nos possa impedir de atacá-lo porque o consideramos um poder intolerável. »

Adolphe Gesché, "Jesucristu", p.49-51